Gays e prostitutas: "Vai e não peques mais" é a única abordagem possível?
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Hermes C. Fernandes
Sempre que escrevo sobre a maneira como deveríamos acolher homossexuais em nossas igrejas, sem discriminá-los, recebo comentários favoráveis, mas com a seguinte ressalva: devemos receber o pecador, mas exigindo que este abandone o pecado. Geralmente, tomam por base a abordagem de Jesus à mulher adúltera que, pega em flagrante, estava prestes a ser sumariamente executada a pedradas, não fosse a intervenção de Jesus. Depois de afirmar que não a condenava, Jesus recomendou: “Vai-te, e não peques mais” (Jo.8:11).
Será que isso deveria ser entendido como um padrão para abordarmos qualquer pecador? Se não dissermos “vai-te e não peques mais” nossa abordagem foi incompleta?
Interessante notar que ela estava cercada de religiosos igualmente pecadores. O fato de sermos cristãos não nos isenta de pecado. Sou tão pecador quanto qualquer outro ser humano. E só posso apontar o dedo e condenar o meu semelhante, se não tiver pecado. O único ali que poderia tê-la condenado era Jesus, e Ele não o fez. Ela sequer confessou ser pecadora, ou fez sua profissão de fé, mas ouviu de Jesus: “Nem eu também te condeno.”
Ao largarem suas pedras, aqueles religiosos admitiram que eram pecadores. Por que Jesus não disse a eles o mesmo que disse a ela? Por que devemos dizer ao homossexual ou à prostituta para que não peque mais, e não diríamos o mesmo àqueles que compartilham de nossa fé? Somos tão pecadores quanto os demais.
“Se dissermos que não temos pecado nenhum, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós”. E pior: Se insistirmos que não somos pecadores, estaremos chamando Deus de mentiroso e “a sua palavra não está em nós” (1 João 1:8,10). Quando, então, perderemos a mania de olhar de cima para baixo para os que cometem pecados diferentes dos nossos? Quão cínicos somos, não?
Apenas duas vezes Jesus completou Sua abordagem com a recomendação “vai e não peques mais”. A outra vez foi com o paralítico no taque de Betesda. A este, Jesus não só recomendou a que não pecasse, como o alertou: “Para que não te suceda alguma coisa pior” (Jo.5:14). Fica subentendido que sua enfermidade decorria de algum estilo de vida pecaminoso, desenvolvido ainda em sua mocidade, uma vez que ele já estava há 38 anos enfermo. O que será que ele andou aprontando antes disso? Jamais saberemos.
Se, de fato, esta devesse ser a abordagem padrão para todos os casos, alguém, por favor, me explique por que razão Jesus não a usou quando recebeu a oferta daquela prostituta na casa de Simão, o fariseu?
Simão, religioso fervoroso, sentiu-se aviltado por assistir àquela mulher da vida quebrando o protocolo e, sem a menor cerimônia, derramar aquele perfume caro em Jesus. De onde ela teria tirado dinheiro para comprá-lo. Obviamente, de seu ofício. Para o religioso, Jesus deveria censurá-la, ou, no mínimo, adverti-la a deixar aquela vida fácil (que de fácil não tem nada!). Mas para sua surpresa, quem foi repreendido foi ele, não ela. Jesus fez questão de declarar a ela em alto e bom som: “Os teus pecados te são perdoados”, e, em seguida, “a tua fé te salvou; vai-te em paz” (Lc.7:48-50).
Talvez Simão tenha pensado com os seus botões: O Senhor não se esqueceu de algo, Jesus? Faltou o “não peques mais”... Como é difícil para um religioso compreender que um gesto de amor é mais eloquente do que uma recomendação, ou mesmo, uma advertência. Segundo Paulo, é o amor de Cristo que nos constrange. Duvido muito que ela tenha prosseguido em seu estilo de vida. E caso tenha prosseguido por algum tempo, também duvido que Jesus tenha desistido de amá-la.
E quanto à samaritana que já teria tido cinco maridos, e que agora vivia com outro que sequer era seu marido? Jesus prometeu-lhe dar da água da vida, saciando de tal maneira a sua sede existencial que, certamente, ela já não precisaria buscar suprir sua carência em múltiplos relacionamentos. O relato bíblico diz que os discípulos maldaram ao flagrar Jesus conversando a sós com aquela mulher de moral duvidosa. Jesus não deu a mínima para os seus escrúpulos religiosos. Tratou-a como uma dama, e por fim, despediu-se dela sem o famoso “vai-te e não peques mais”. Esse Jesus anda muito esquecido, não? Ele também não exigiu que ela abandonasse o atual para voltar ao marido original, como algumas igrejas fazem hoje em dia. Ele apenas a amou. Sua abordagem não foi moralista, mas existencial. Seu estilo de vida apenas revelava sua sede existencial, sua busca por sentido, sua ânsia por propósito.
Definitivamente, precisamos rever nosso discurso. Mas antes de tudo, temos que rever nossa postura ante aquele que consideramos mais pecador do que nós. Todos somos igualmente carentes da graça de Deus, e, portanto, não temos o direito de apontar o dedo para ninguém.
Que tal darmos ouvidos à recomendação apostólica?: “acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para promoverdes a glória de Deus” (Rm.15:7). E quando estes a quem acolhermos se sentirem amados da maneira como são, poderemos dizer: “Meus filhinhos, (...) não pequeis. Se, porém, alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo” (1 Jo.2:1).
Sinceramente, entendo este "filhinhos (...) não pequeis" como um apelo de amor, e não uma exigência. A meu ver, só poderia dizer "vai e não peques mais" quem pudesse ser capaz de cumprir esta exigência. Como eu poderia exigir que alguém fizesse o que nem eu sou capaz de fazer? Como posso exigir que alguém pare de pecar, se eu mesmo não parei? Agindo assim, eu seria como aqueles fariseus que exigiam dos outros que carregassem fardos que eles mesmos não se dispunham a carregar. E se eu me atrever a dizer que parei de pecar, estarei chamando Deus de mentiroso. Portanto, só Jesus, o único justo, poderia dizer "vai-te e não peques mais", pois foi o único que jamais pecou. E nem sempre usou desta prerrogativa, isto é, nem sempre lançou mão desta abordagem.
Hermes C. Fernandes é parceiro do Genizah