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Ternos com e sem ternura


Braulia Ribeiro


Não gosto dos ternos Armanis requintados, risca de giz, gola da moda, gravatas de seda que enfeitam o congresso. Não gosto de suas camisas combinando, sapatos lustrosos, e já posso imaginar-lhe o cheiro,  cheiro caro, cheiro de um Brasil vendido, imoral, que se escarnece de nós, que nos tira o sono.

Não gostei  tempos atrás dos ternos do pingüinário religioso que me rodeou em uma conferência que fui, que me olhava sem  me ver, eu representando missões,  uma parte do evangelho que eles queriam esquecer. De Riachuelos a Boss – tinha de tudo. Não lhes gostei dos escargots, foi-grass, cheiro de gasolina azul nos carros importados, tudo justificado teológicamente,  parece que pastores e jogadores de futebol tem aspirações semelhantes. Carrões e mulheres não estão longe de nosso imaginário, a mulher mais um bem de consumo, numa cosmovisão em que Deus valoriza mais as coisas do que as gentes e que como Alá, coa mosquitos mas engole camelos.

Ternos políticos são lascivos por poder, entorpecidos de manipulações, revendem almas, revendem nomes de família. Ternos políticos pavoneam-se pelos corredores de Brasília e aeroportos do Brasil, nos dizendo que não merecemos mais do que temos.

Ternos evangélicos  se politiquizam sem politizarem-se, se empulpitam sem nos trazerem mensagens, se apoderam de pessoas, sem ajudá-las. Poder e controle, ao invés de autoridade e amor é o que terno me diz, sem querer querer querendo.

Gostei no entanto de um terno que vi diante de mim numa manhã de sol. Era domingo, dia de ir à praia para os cariocas, ao parque para os paulistas, ou só de sentar na frente da TV ouvindo os intoleráveis achincalhes dos programas de auditório, vendo o time ganhar ou perder mais uma vez no tapete verde. Mas para certos terninhos,  graças a Deus  é dia de igreja. Passou na minha frente um terno surrado, gola puída de muitos domingos. Seu ocupante vinha de bicicleta, célere, sorriso nos lábios, bíblia na garupa amarrada com elástico.

A Bíblia dele é maiúscula, surrada e onipresente do móvel de fórmica azul da casa,  à garupa da bicicleta barra  forte,  suada de mãos e dedos que dançam nos seus versos, nas suas histórias. Apesar do calor e do suor aquele terno me pareceu lindo, quase dourado de estilista brilhando no calor do sol. Aquele terno representa o não à angústia do brasileiro sem identidade, o encontro do ser humano com o Criador e consigo mesmo. Redenção não só da morte, mas da segregação social, do ostracismo econômico, da incapacidade moral.

Do mesmo jeito também reluzem bonitos  os ternos nas cadeias públicos, vistos em cores no filme Carandiru, onde a igreja evangélica significa esta cura social, uma saída ao crime, ilha de alegria  no meio do inferno. Não lhe importa a placa, as músicas rasgam o céu, da pregação sai um jorro de esperança sem ponto nem vírgula. É a igreja evangélica luz nas trevas, vida na morte, liberdade na prisão. Igreja evangélica farol moral numa tempestade de relativizações éticas, e vendavais de permissividade.

Como o terno de tergal da nossa igreja evangélica se tornou o Boss- sal sem sabor, não sei.  Um dia  o terno puído se encontrou com o Armani do poder e gostou de  ficar ombro a ombro com ele. Espero o dia em que  ele vai sair de lá. O terno que veste o homem da honra  e o risca de giz que veste o homem de si não cabem no mesmo lugar.



 Braulia Ribeiro é colaboradora do Genizah

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  1. Tô contigo e não abro, infelizmente é uma história triste da Igreja brasileira.
    Este trecho é a mais pura verdade: "Ternos evangélicos se politiquizam sem politizarem-se, se empulpitam sem nos trazerem mensagens, se apoderam de pessoas, sem ajudá-las. Poder e controle, ao invés de autoridade e amor é o que terno me diz, sem querer querer querendo."

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  2. Belissímo texto!!
    Lembrei-me de 20 anos atrás qnd meu pai foi pastor da igreja em Boa Vista-RR, a maioria dos irmãos chegavam ao culto de segunda a noite, tb de terno surrado, ou numa bicicleta barra forte ou numa moto CG 125...

    Meu pai contava sobre quando ele pastoreou num interior do Amazonas na cidade de Maués, os irmãos chegavam de pequenos barcos (voadeira, para os ribeirinhos) para o culto dominical... o sonho dele era voltar a pastorear um pequena igreja no interior do Amazonas... infelizmente não foi possível!

    Esse tempo era quando a Assembléia de Deus era dirigida por homens comprometidos com o reino, como o saudoso Pr. Alcebíades Vasconcelos...

    Bons tempos...excelentes cultos...

    abs,
    Fernando.

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  3. Braulia Ribeiro sempre traz verdades em um texto gostoso de ser lido! Parabéns Braulia Show de Bola.

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  4. Já começo a sentir calor só de pensar em termo, por ocssos do oficio pastoral, me constranjo a usa-lo, pelo menos aos domingos, melhor era ser um mero lider de jovens que invadia as vilas e vielas, de bermudão surrado, sentava na beira da calçada, conversava com os jovens, até batia uma bolinha com eles, para depois, mais tarde, por causa da amizade(e de Jesus) ver todos presentes na célula.

    Ler esse texo me fez lembrar disso, inda bem que sempre deixo esse lider de jovens tomar a frente do pastor que há em mim, às vezes...

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  5. Um dia (Maranata!) esses portadores de ternos reluzentes aprenderão - em definitivo - que toda vez que Satanás te leva a um lugar alto, é para tentar te jogar lá de cima.

    E eis que este dia vem breve.

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  6. Parabéns pelo texto, sem mais a acrescentar...

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  7. Absolutamente fantástico! Digno de aplausos e, acima de tudo, glórias a Deus!

    Descreve com perfeição grande parte do quadro político e eclesiástico do meu Rio Grande do Norte.

    Qualquer um que se opor contra essa prostituição eclesiástica com os políticos (sobretudo os que se dizem evangélicos) é covarde e implacavelmente reprimido.

    Por outras coisas não, mas tenho certeza que naquele Dia Deus não há de me cobrar por ter me calado diante de derramamento de sangue inocente e do clamor dos miserávies explorados pelas negociatas dos de terno.

    Agora, a turma de ternos de luxo, tanto políticos quanto líderes evangélicos corruptos...ainda há tempo para deixar a peversidade.

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  8. Entendi o texto! Mas, literalmente falando, o terno nunca significou muita coisa mesmo, assim como os saltos altos e os vestidos de cetim das irmãs!
    Coisa de missionários americanos em terras brasileiras! A Carmem Miranda que o diga!

    A tempos que me livrei dessa coisa!!

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  9. Em tempo...Concordo com o texto, mas literalmente falando, o terno substituiu a batina do padre, o manto do sacerdote a toga do cardeal. É o "diferencial" de uma figura que "precisa" ser reconhecido pela comunidade, a começar, do traje!
    Aí acontece como acontece no exército: quanto mais alta a patente mais caro, brilhante e de grife é a marca do terno. Traje patético para um discipulo de Jesus! Em calor de 40 graus, espanta qualquer incrédulo! Já começamos na desvantagem por aí!

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  10. Muito pertinente o comentário do irmão "Sintonia de vida" aqui cima.

    Acrescentou uma interessante reflexão em mim sobre o conteúdo do texto.

    Infelizmente esses diferenciais são construções sociais. Daria o dedo mínimo da mão esquerda se Jesus se teria se preocupado em fazer o mesmo.

    A pior parte é convidar pessoas para um culto e elas dizerem: "Não vou porque não tenho roupas". Viva ao terno surrado.

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  11. Será que nossa "sociedade evangélica" atual conseguiria produzir algo assim?:

    Prezado irmão houve um incidente realmente tocante que envolveu um garotinho japonês que ensinou a um adulto como eu, uma lição de como se comportar como um verdadeiro ser humano. Ontem à noite fui enviado para uma escola infantil para ajudar uma organização de caridade a distribuir comida aos refugiados. Era uma fila muito longa e notei, no final dela, um garotinho de uns 9 anos que usava uma camiseta e um short. Estava ficando muito frio e fiquei preocupado se, ao chegar sua vez, poderia não haver mais comida. Fui falar com ele. Ele contou que estava na escola quando o terremoto ocorreu. Seu pai, que trabalhava perto, estava se dirigindo para a escola para apanhá-lo e ele, que estava no terraço do terceiro andar, viu quando a onda tsunami levou o carro com seu pai dentro.

    Perguntei sobre sua mãe e ele disse que sua casa era bem perto da praia e que sua mãe e sua irmãzinha provavelmente não sobreviveram. Notei que virou a cabeça para limpar uma lágrima quando perguntei sobre sua família. O garoto estava tremendo. Tirei minha jaqueta de policial e coloquei sobre ele. Foi ai que a minha bolsa de bentô (comida) caiu. Peguei-a e dei-a a ele dizendo: “Quando chegar a sua vez a comida pode ter acabado. Assim, aqui está a minha porção. Eu já comi. Por que você não come”? Ele pegou a minha comida e fez uma reverência. Pensei que ele iria comer imediatamente, mas ele não o fez. Pegou a comida, foi até o início da fila e colocou-a onde todas as outras comidas estavam esperando para serem distribuídas.

    Fiquei chocado. Perguntei-lhe por que ele não havia comido ao invés de colocar a comida na pilha de comida para distribuição. Ele respondeu: “Porque vejo pessoas com mais fome que eu. Se eu colocar a comida lá, eles irão distribuí-la mais igualmente”.

    Quando ouvi aquilo, virei-me para que as pessoas não me vissem chorar. Uma sociedade que pode produzir uma pessoa de 9 anos que compreende o conceito de sacrifício para o bem maior, deve ser uma grande sociedade, um grande povo.

    http://gilson-contraheresias.blogspot.com/2011/04/licao-em-fukushima.html

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