Pastores ou Vaqueiros?
https://genizah-virtual.blogspot.com/2009/09/pastores-ou-vaqueiros.html
Rubinho Pirola
“Eu sou o bom pastor; conheço as minhas ovelhas,
e elas me conhecem a mim” Jo 10: 14
Numa época em que seminários, cursos e eventos de todo tipo se propõem a discutir modelos de liderança e nos aguçam tanto a vontade de crescermos como lideres, dia desses, à soleira da porta da Rádio, aqui em Portugal, um amigo e filho na fé, gritou por mim dizendo ter tido uma revelação.
Não que eu não creia nas revelações (principalmente depois que as cameras fotográficas passaram a ser digitais) ou que Deus não seja ainda capaz de nos trazer revelações ou luz sobre situações, baseadas em algum princípio encontrado nas escrituras, confesso que fiz piada. Mas a coisa era séria.
Assentado ali, esse meu amigo, um criador de gado em Goiás, observava atentamente a um pastor – cercado pela sua congregação de ovelhas – que costumeiramente costuma trazê-la para alimentar-se numa área verde (e cheia de oliveiras) mesmo do outro lado da nossa rua.
Pois bem, o Lazinho (como se chama o amigo) gritou: “rapaz, nós temos sido vaqueiros!”. E emendou: “temos sido mais vaqueiros do que pastores!”.
Essa era a revelação e digamos, dos céus, sem sombra de dúvida.
Começamos então a compartilhar e a reconhecermos com toda a humildade que a tentação em sermos, não pastores, mas vaqueiros, tem sido muito grande.
Cheguei a pensar que, por conta da nossa tradição, da terra de onde vim, no interior de São Paulo, incipiente na criação de ovelhas – as de pelo e que balem – não as de Bíblia em baixo do braço - é que os versos bíblicos sobre a figura do pastor, do rebanho das ovelhas nos exijam tanto esforço e muita abstração para que os compreendamos. Nós brasileiros, somos o povo com o maior rebanho bovino do planeta e essa cultura nos passa ao largo. Mas não. A coisa não é nova e nem tão absurda.
Mesmo por essa bandas mediterrânicas onde me encontro hoje exilado por Deus (onde em todo o campo fora dos grandes centros há um pastorinho com o seu rebanho), o engano - e a tentação - é a mesma: Temos teimado em ser vaqueiros e não pastores no cuidado do rebanho do Pai. E nisso não faltam pauladas só nos pastores institucionalizados das nossas igrejas, mas aos pastores-pais, aos pastores-maridos e aos pastores-leigos no cuidado dos outros, os que Deus nos confiou.
Vejamos as diferenças básicas:
Pastores de ovelhas são calmos, cuidam delas na tranquilidade de quem confia na relação que o liga à elas, permitindo com isso que elas andem soltas, livres, enquanto o vaqueiro é o homem do grito, do cuidado quase-exagerado traduzido em cercas (altas, de arame farpado ...e até elétricas!).
Até o verso bíblico em que Jesus diz que o pastor “vai adiante delas, e elas o seguem” deve, seguramente ter mais a ver com o seu exemplo, a referência da sua presença e companhia do que o andar literalmente à frente. Se observarmos bem, os pastores nem precisam se por à frente do rebanho. Basta-lhes a sua presença, a sutil indicação do cajado – ao observá-las, penso que elas se imaginam livres, soltas, guardadas pela lembrança de que há alguém a quem recorrer e que as socorrerá sempre que precisarem. Nos currais, os vaqueiros andam aos berros, com varas a espetar o gado (e muitas dessas, com descarga elétrica!) e até cães para correrem atrás dos que fogem.
Temos sido vaqueiros quando julgamos possuir um rebanho que não é nosso e, ao invés de ganhar-lhes o respeito e o amor, conquistando-lhes o coração, como vaqueiros, usamo-las nos nossos próprios projetos narcisistas, usamos marcá-las a ferro, cercá-las com arames e até usar de tudo para controlá-las. Temos sido vaqueiros quando escondemos a nossa intimidade, as nossas lutas, próprias da nossa humanidade atrás de artifícios de retórica e de poder.
Com isso, negligenciamos o discipulado – onde para além de ensinar o que sabemos, pode-se (e é inevitável) passar aquilo o que somos na intimidade (como o pastor e apóstolo Paulo, que chamava a atenção de Timóteo não para aquilo o que aprendeu, mas para “de quem aprendeu tudo” – 2 Tm 3:14). E olhem que nunca lemos de Paulo nenhuma reivindicação de respeito à sua intimidade, ou privacidade, sempre naturalmente exposta aos olhos das suas ovelhas.
O controle, a lei, só vale quando os relacionamentos são frágeis ou inexistentes e a sua eficácia, nenhuma, dai, as cercas, os limites, a vigilância e tanta história de traições e infidelidade à comunhão.
Como aprendemos de Cristo, “não há amor maior do que alguém dar a sua vida a outros” e isso, evidencia-se na dedicação, no serviço desinteressado e humilde, no abrirmo-nos à contabilidade e aos olhos carentes de referência das ovelhas (e até à sua correção e admoestação quando necessária).
Contra esse tipo de relacionamento, não há ameaça que afaste o rebanhos dos pastores.
Quando há algum tempo atrás, estando eu e a família numa pequena aldeia, num dos pontos mais altos de Portugal, vi (com os meus olhos inexperientes nessa coisa de ovelhas que balem – não as de Bíblia à mão) vários rebanhos se juntando numa pracinha ao centro da comunidade, perguntei a um dos vários pastores como é que ele faria para levar para casa as suas próprias ovelhas, como faria para reconhecer as suas em meio a tantas outras de outros pastores. Ele então, num misto de espanto pela ignorância do estrangeiro e sincera experiência, respondeu: “Isso não me preocupa” e emendou: “Elas sabem quem EU SOU”.
Pescou? E é isso. Pastores, e não vaqueiros do rebanho do Pai!
- Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens. (JO 10:9)
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Rubinho Pirola trouxe muita muamba dos States, incluindo o último vídeo do Ceroulas para passar aqui no Genizah.
Nas escolas biblicas deveria haver uma disciplina Hands-on, mas não numa igreja.
ResponderExcluirDeveriam passar uns seis meses de estágio real. tres meses numa olaria, daquelas bem artesanais, e tres meses num prado a cuidar de ovelhas, daquelas que andam mesmo a comer pasto.
Iam ver como alguns versiculos da biblia saltam aos olhos. Estou mesmo a falar a sério.
Precisamos de pastor de almas humanas, que entende, compreende o outro e acima de tudo sermos pastores-homens. Essa idéia de que o pastor é um cara com super-poderes de forma que nada o atinge e totalmente contrária à luz bíblica. Somos Pastor-mineral ou Pastor-humanos?
ResponderExcluirMuito interessante a comparação.
ResponderExcluirPor sinal, li um clássico este ano que recomendo aos irmãos. Chama-se Nada me faltará (Phillip Keller). Neste livro o autor aborda o salmo 23 a luz do ofício pastoral, que ele mesmo exerceu durante 8 anos nas pastagens da África Oriental.
Rubinho, estava em divida com o Lazinho...
ResponderExcluirhttp://calemaspedras.blogspot.com/2009/09/oleiros-e-guardadores-de-rebanhos-1.html
quando ele ler, fica a promessa cumprida.
Gostei muito desse texto.
ResponderExcluirNessa minha trajetória com Cristo já tive muitos pastores e a maior parte deles foram verdadeiros vaqueiros.
Inúmeras vezes fui considerada ovelhinha rebelde...não dei conta de andar a galope, recusei-me a engolir a "ração" que me ofereceram e cansei de levar chicotadas.
Rubinho, belo texto, inspirado por DEUS. É exatamente assim.
ResponderExcluirA diferença é tão grotesca, tão gritante, que nem paramos para analisar, mas quando paramos, nos envergonhamos.
Quantos de nós já não andamos debaixo da mão do vaqueiro, cercados por cercas elétricas, alguns até marcados a ferro.
Quando DEUS deixou escrito em sua Palavra o ministério de Pastores e não de vaqueiros.
Infelizmente é verdade. Quantos vaqueiros que se acham pastores tem ordenhado o rebanho....
ResponderExcluire quantos de nós também têm sido vaqueiros nos relacionamentos em que deveríamos desempenhar o papel de pastores...