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A luta entre o bem e o mau (e não é um erro de português!)

Bráulia Inês Ribeiro


"Se existe uma arena no universo, quem está lutando nela somos nós e o diabo, o rebelde contumaz que faz da guerra contra nós seu libelo contra Deus”

A língua forma a cultura. A língua decide como vamos pensar a respeito de um conceito ou, em outras palavras, como vamos internalizar um valor. Cada língua do mundo, ou grupo de línguas, explica a realidade à sua maneira. A língua forma a cosmovisão de um povo – tal cosmovisão, portanto, circunscreve-se dentro dos limites conceituais impostos pela língua. Até os cientistas da física moderna perceberam que chegaram a um limite em relação ao que conseguiam explicar e perceber dentro de sua cosmovisão. Fritjof Capra recorreu à religião taoísta chinesa para tentar explicar o que a ciência constatava. Isso pode parecer absurdo para alguns, mas para os etnolingüistas familiarizados com a diversidade de pensamentos e a multiplicidade de conceituação multilingüística, é apenas o passo natural que temos que dar na busca do conhecimento.

Até a ética da sociedade atual é afetada pelas mudanças lingüísticas, algumas “encomendadas” para refletir uma ambigüidade que não existe. Por exemplo, bebês no útero começaram a ser chamados de fetos, e agora apenas de tecidos, em inglês – tissue. Tal nomenclatura diminui o impacto provocado por sua morte pelo aborto, mesmo no final da gravidez, ou de usar live-tissues nos avanços da medicina, chegando ao cúmulo de considerar legal o assassinato com uma tesoura na nuca do bebê que já tem o corpo fora do útero, mas a cabeça dentro. Legalmente ele ainda é um tissue.

A língua também afeta nossa teologia. Recentemente, pensei numa mudança lingüística que pode nos revelar uma verdade que se oculta da maioria por causa da língua. Elimanaremos do dicionário o termo “mal”, escrito assim, com “l”. Na nossa cosmovisão indo-européia – no tempo que todas as línguas ocidentais modernas eram uma só –, o bem e o mal se opunham em igualdade de forças. Essa era a visão pagã de nossos antepassados e que os filósofos chamam de maniqueísmo. O grande Bem e o grande Mal lutando entre si; Deus e o diabo em pé de igualdade, lutando pelo poder sobre o mundo criado.

O Cristianismo é freqüentemente caracterizado como uma religião maniqueísta, e muitas vezes, na nossa vida, nos ensinos, até na oração, refletimos esse pensamento. Combatemos um mal onipresente, obcecados com o embate metafísico; às vezes perdemos, às vezes ganhamos. Combatemos pessoas, coisas, enfim, a cultura, como se elas fossem o mal materializado. Existe a batalha na Bíblia, mas é muito diferente. O bem e o mal não são forças paralelas e não são iguais de maneira alguma. Aliás, o mal com “l” nem existe. Não existe um mal conceitual, abstrato, transcendente – o único “mal” presente na terra dos homens é o mau como qualificação de ação, e não o mal substantivo.

A oposição existe entre Deus, a pessoa de amor, tudo o que diz respeito e ele, e a rebeldia. O pecado, exercido, praticado, pelos homens ou pelo diabo, é o que se opõe a Deus. Se existe uma arena no universo, quem está lutando nela somos nós e o diabo, o rebelde contumaz que faz da guerra contra nós seu libelo contra Deus.

O mal existe na medida em que nós o criamos. Ele nos cerca porque nós o produzimos. As trevas, se caminhamos nelas, são auto-produzidas; o diabo nos tenta, nos perturba e oprime, mas só tem espaço quando nós, em nossa rebeldia contra Deus, o convidamos. Podemos nos tornar maus por praticarmos habitualmente o mal, até que essas fibras de rebeldia sejam tecidas na nossa personalidade. Mas, enquanto vivermos, será o mau, nunca o “mal” absoluto, contra o qual lutaremos porque ainda seremos passíveis de redenção. O mal não é independente do bem – mal é a negação do bem. O “mal” é a ausência de Deus. A desobediência é o pecado principal dos seres criados. A explicação da cruz não é o bem vencendo o “mal”, mas é o amor de Deus, pagando o preço pelo mau – as nossas más escolhas.

Não posso deixar de pensar que, se vivêssemos o Cristianismo do bem e do mau, seríamos mais responsáveis. Amaríamos mais, obedeceríamos mais, nos esforçaríamos mais por retribuir com bem àquele que nos amou, mesmo sendo maus. Não posso deixar de olhar para o Brasil de hoje, um país de canalhice institucionalizada, de amoralidade sem compromisso social, do malazartismo absoluto, e pensar que, por mais que eu não queira admitir, a culpa disso tudo não deixa de ser minha também.


Bráulia Inês Ribeiro é a mais nova colaboradora do Genizah, pois subversiva ela já é desde criança! 
Bráulia também tem um blog na Revista Ultimato: Conheça! 

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  1. Muito bom artigo. cientificamente explicado! kkk

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  2. Texto ótimo!! Tá bom que li com dicionário, voltei algumas vezes no texto, mas valeu a pena.
    Um texto muito inteligente(acho que por isso senti certa dificuldade!)e bem desenvolvido. Bem... eu achei!
    Mas só uma pergunta: o que é "malazartismo"?

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  3. Ola Bráulia,

    primeiro texto que eu leio seu e gostei muuuuito.

    Parabens.


    Leco

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  4. uma dissertação de mestrado..rsrs, brincadeirinha, mt bom, o clube do bolinha colocou alguem à altura para dividir idéias...parabéns!

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  5. Oh! Meu DEUS!
    Eu não sei o Salmo 23!
    Terei de buscar um GENI GENÉRICO.
    Na Graça e em Paz.
    Sílvio S. Ponte

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  6. Interessantíssimo ponto de vista. De fato percebemos que muitos que professam a fé cristã vivem tremendo de medo do mal, como se esse fosse uma força equivalente ao exato oposto do Bem Supremo. Como se o universo vivesse à mercê de um eterno cabo de guerra entre Deus e o diabo.
    Muitos desconhecem que o Criador é Onipotente...

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  7. Um lavrador penalizado ao encontrar no campo uma serpente moribunda no meio da geada de inverno embrulhou-a num saco e a levou para casa a ver se lograria salvá-la.
    A família se comoveu com a situação do pobre animal e, pondo-a numa caixa com tampa, aproximaram brasas vivas para reaquece-la e foram dormir. Pela manhã verificando que o animal se movia ficaram animados e deram-lhe alguma coisa de comer. Tratando assim dia após dia, se afeiçoaram do serzinho de tal maneira que deu o seu filho unigênito uma última alimentação à cobra e esta, dando um bote certeiro em sua mão, inoculou-lhe no sangue a peçonha pela qual, agonizante, o rapaz veio a morrer. (Fábula)
    Moral da história: "Fazei o bem, mas olhai a quem!"
    Amados irmãos vocês precisam perceber que estão alimentando o inimigo de vossas vidas -- a religião! Ela era uma hortaliça mas se fez árvore onde está hoje abrigada toda espécie de ave detestável e todo tipo de animal imundo!
    Estou prestes a tomar uma atitude definitiva mas quero fazê-lo com vocês: cessar o sustento de um dragão contaminado e perverso que nos tem feito trabalhar em vão e andar em círculos! Quando cessarem os dízimos a locupletar os postos de mando, cessarão os mercenários e pastores do próprio ventre! Saiamos, pois, fora do arraial, levando o seu vitupério...
    (Se ainda buscasse agradar aos homens não seria servo de Cristo.)

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  8. Ótimo texto!
    ***
    Mas... se vivêssemos o Cristianismo do bem e do mau seríamos mais responsáveis, será?
    Os pentecostais vivem nessa luta (contra os principados - só falta o autoflagelamento) e nem por isso se incomodam em cuidar da natureza por exemplo.
    Às vezes existe a responsabilidade, mas na maioria das vezes existe a contradição de pensamento.
    É aquela mesma ladainha de que tudo está nas mãos de Deus então Ele resolve.

    Tudo depende do conceito!

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  9. Paulo Kava (marlborokava@hotmail.com)13 de outubro de 2011 às 20:22

    Sensacional! Parabéns Bráulia, creio que esse é o primeiro passo para alcançarmos o conhecimento das coisas como Deus quer. Dias atrás estávamos discutindo com alguns colegas do trabalho exatamente este ponto, o conceito de bem e mal (ou mau), e chegamos a seguinte conclusão:
    Estamos presos ao conceito da dualidade em nossas vidas, e esse, na minha visão é a herança da queda. Construímos conhecimentos em cima de conhecimentos anteriores tornando este último, um meta conhecimento, uma sombra daquilo que já foi, mas sempre com a mesma raiz: A da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Nossa tecnologia, física, química, matemática e até mesmo as ciências humanase até mesmo Teologia são explicadas dessa forma, enfim nossa mente foi construída, nesse tempo todo, a pensar de forma dual e por isso é tão difícil entender e aceitar o verdadeiro evangelho. Daí entendo algumas passagens dos evangelhos e cartas dos Apóstolos que dizem que devemos ser "nova criatura", ter a "mente de Cristo" e pensar como Cristo pensa, pois só fazendo diferente obteremos resultados diferentes, caso contrário isso é considerado loucura, e essa diferença quem faz é Jesus Cristo.
    Mas uma vez obrigado por este lambejo de luz neste mar de escuridão em que vivemos.

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