Marchando com as Multidões ou
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Mário de Andrade, expoente do movimento artístico que agitou o Brasil na década de 20 e que ficou conhecido como “Modernismo”, ao fazer uma análise crítica do movimento anos depois, declarou que o mesmo cometera o erro crasso de produzir uma elite cultural no país que se comportava como “técnicos e espiões de vida, que assentados no meio-fio viam a multidão passar sem, contudo, participar e marchar com ela”.
A crítica de Mário de Andrade tinha endereço certo: artistas plásticos, pintores, escritores, que, ao invés de participarem ativamente da vida, se envolvendo com a mesma, almejando seu progresso e o “amilhoramento do homem” e, consequentemente, da sociedade, se contentavam em apenas analisá-la, descrevê-la e retratá-la. Sendo, porém, incapazes de lutar pela concretização do mundo ideal e melhor que tanto sonhavam. “Marchem com as multidões!” Foi, então, o seu grito.
Pensando na crítica de Mário de Andrade, compreendi que uma parcela significativa do evangelicalismo brasileiro, especialmente os “históricos” e “os reformados” cometem um erro semelhante. Tais grupos que abarcam os congregacionais, presbiterianos, batistas, metodistas, luteranos, anglicanos e outros, são conhecidos e respeitados pelo labor teológico (principalmente os presbiterianos), pela sistematização doutrinária, pela ênfase no estudo da Palavra, pela seriedade de nossas Escolas Dominicais e demais instituições de ensino. No entanto, tenho percebido que apesar do “saber” que temos, fazemos muito pouco, ou, como escreveu certa vez o Rev. Neucir Valentim (ministro congregacional), em um artigo onde apontou algumas causas do fraco desempenho numérico/quantitativo dos congregacionais no Brasil, “sabemos o que dizer e temos o que dizer, mas não dizemos nada”. Conhecemos os pilares da doutrina da salvação, mas evangelizamos pouco. Conhecemos os fundamentos da doutrina do pecado, mas evitamos “os pecadores”. Dissertamos sobre o plano de redenção divina aplicável aos homens em todas as culturas, povos e épocas, mas somos indiferentes “ao clamor do mundo” e as necessidades da obra e do obreiro missionário. Aprendemos que o homem é constituído de corpo, alma e espírito (se você é tricotomista) ou corpo e alma/espírito (para você, que é dicotomista), mas somos incapazes de demonstrar paciência com os famosos irmãos “complicados” e “esquisitos”, que, com certeza, na sua igreja tem e esquecemos de que a mesma deve ser uma comunidade terapêutica, onde a psique humana não deve ser desprezada.
Lemos os manuais de escatologia e brigamos pela posição amilenista, milenista ou pré-milenista e, se não bastasse, nos enfurecemos mais ainda para argumentar em prol ou contra o pré, o meso e o pós-tribulacionismo. Tentamos desvendar o falso profeta, a besta e identificar o anticristo. Porém, vivemos como se Cristo não fosse voltar logo. Preocupamo-nos mais com bancos, galerias e ar-condicionado centrais. Não preparamos o homem contemporâneo para o real e inevitável encontro com Cristo, este sim, o tema central da escatologia. Sabemos que o sentido da palavra igreja é “chamados para fora”, mas temos uma enorme dificuldade em sair da vida interior do templo religioso e se envolver com a comunidade em que estamos inseridos. Admiramos os grandes heróis da história da igreja, mas não seguimos seus passos. Aplaudimos Lutero, mas não temos sua coragem. Lembramos de Calvino, mas não temos seu zelo pelas Escrituras. Admiramos Hudson Taylor e Willian Carey, mas não temos o mesmo desprendimento e paixão pelas almas.
A igreja universal de Cristo marcha triunfantemente. Algumas igrejas locais, no entanto, marcam passos, deixando a vida passar, não exercendo seu ministério profético e sacerdotal e, o que é pior, criticando os que tentam fazer algo. O pastor Ricardo Gondim, certa vez ilustrou o imobilismo de algumas igrejas históricas, ao lembrar que na década de 80, uma importante denominação protestante comissionou um grupo de pastores e especialistas em missões para estudarem e elaborarem um documento sobre a possibilidade de se fundar igrejas na Amazônia. O estudo levou seis (06) anos para ficar pronto. Quando o trabalho, enfim, começou, descobriram que durante aquele período, uma denominação pentecostal havia fundado 12 igrejas na região. Enquanto aqueles estudavam, estes trabalhavam. Enquanto os primeiros teorizavam e estabeleciam métodos eficazes de evangelização, os últimos evangelizavam. Os primeiros analisavam a vida e a multidão. Os últimos marchavam com elas!
Em Atos dos Apóstolos, temos um relato de uma igreja que resolveu se envolver com pessoas e com suas vidas, aprendendo a Palavra, celebrando a Ceia e partilhando amizade e perseverando nas orações (2. 42); repartindo seus bens (2:45); comunicando alegria e sinceridade (v.46); adorando a Deus; impressionando as multidões e caminhando com elas (vs. 47).
Marchemos com as multidões! Envolvamo-nos com seus problemas (Mt 4.23-25). Aproximemo-nos de suas dores. Sintamos de perto seus dramas. Choremos com aqueles que choram (Rm 12.15). Ministremos o amor, a graça e a comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E convidemos mais e mais pessoas a se tornarem agentes de transformação deste mundo, a serem sal e luz (Mt 5. 13-16), enquanto marchamos para uma pátria melhor, uma cidade celestial, que desde os tempos eternos nos foi preparada pelo nosso Deus (Hb 11.16). Que Ele nos abençoe!
Soli Deo Gloria!!!
Idauro Campos é pastor congregacional, mestre em Ciências da Religião. Colabora com o Genizah