Lições de um viajante do espaço
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Ricardo Wesley Morais Borges
Imagine um viajante interplanetário visitando o planeta Terra em diferentes épocas, e em cada uma delas com a missão de observar a vida de comunidades que se identificam como cristãs. Essa foi a ideia básica de um brilhante texto do missiólogo escocês Andrew Walls. Há algum tempo tive o privilégio de conhecer esse senhor em uma viagem à África para participar de uma consulta sobre a área de formação promovida pela IFES. Foi um deleite ouvir o Sr. Walls, desde a riqueza de seus mais de 80 anos de vida e experiência.
Quanto ao viajante espacial imaginado por ele, nos deparamos que o tal explorador galáctico também possuía a habilidade de viajar no tempo. Assim, ele pôde visitar nosso planeta azul em cinco diferentes momentos:
1. A primeira viagem foi no ano 37 da presente era, quando a maioria dos cristãos era judia e Jerusalém era o centro de influência. O cumprimento da Lei era um importante aspecto da fé para esse grupo.
2. Sua segunda visita se deu ao redor de 325, quando a maioria dos cristãos não era do povo judeu. Nos principais centros de referência da fé cristã a língua e a cultura dominantes eram a grega. Preocupavam-se mais com as discussões metafísicas, com a teologia e com o significado preciso de alguns termos.
3. Na terceira, por volta do ano 600, um centro importante de irradiação da fé era a Irlanda, com suas comunidades tribais. Anelavam a santidade, com sua particular interpretação da mesma, que incluía banhos em lagos gelados, e não mediam esforços em sua paixão missionária.
4. Na quarta, já em 1840, a Grã-Bretanha era o principal centro de expansão da fé cristã, um fato intrinsicamente ligado ao poder de seu império. Temas como a política, o comércio e a civilização eram parte importante da agenda de sua fé.
5. Na quinta, já em 1980, o centro de poder da fé se movia ao Sul, especialmente a África. A preocupação principal de muitos cristãos se enfocava na experiência do poder, das curas e das visões pessoais.
Nosso antropólogo, viajante do tempo e do espaço, observou que todos eles se identificavam como cristãos, todos possuíam uma Bíblia em comum, e igualmente todos faziam referência a elementos fundamentais de uma mesma tradição, compartilhando alguns dos mesmos rituais. De alguma maneira estavam em uma mesma linha de expansão da fé, quando cada movimento poderia ser historicamente conectado ao anterior, em uma contínua onda missionária através da história.
Claro, havia enormes diferenças entre um grupo e outro, mas o que mais chamava a atenção de nosso explorador era a identificação que possuíam, o próprio reconhecimento de que eram parte de uma mesma fé, de uma linha que atravessa a história. E o faziam apesar dessa evidente constatação de que essas díspares comunidades em diversos lugares pareciam selecionar ou valorar de distintas maneiras diferentes seções das mesmas Escrituras.
Ainda assim, ao escutar nosso amigo escocês ele me parecia otimista, ao crer que vivemos em um tempo com potencial para “enriquecimento mútuo e autocrítica”, através das interações que possamos desenvolver em uma comunidade global ao redor da Bíblia, vivendo em diferentes contextos e com variados desafios ao redor do mundo.
De minha parte, ainda que apreciando e mesmo desejando para mim seu otimismo, vejo que não é tão fácil construir pontes de entendimento entre irmãos e irmãs vindos de contextos variados. Parece que, sem viajar no tempo, e ficando apenas em nossa presente realidade, alguns temas considerados não essenciais para a fé de alguns são para outros elementos cruciais de sua fé e missão entre os demais.
Parece que o entendimento, os possíveis acordos mútuos e mesmo o aprender uns dos outros, somente são possíveis através de uma atitude humilde, quando estamos dispostos a ouvir e a orar uns pelos outros. Poderíamos até chegar a cooperar melhor em nossa missão cristã no mundo. Até porque foi exatamente essa paixão pela missão e pela Palavra que impulsionou cada grupo nessas cinco eras, esse poderoso fator que conectou essas comunidades através da história.
O problema é que talvez estamos, com frequência, mais dispostos a aprender e a nos identificar com comunidades cristãs distantes na história e na geografia do que a aprender e cooperar com meus vizinhos na fé, esses pertencentes a uma tradição ou corrente diferentes da minha, que estão no mesmo bairro e lugar onde eu vivo. Talvez, no final das contas, deveríamos aprender mais com a atitude do viajante espacial, a de reconhecer as identidades de cada um, respeitar suas diferenças, mas também ser capazes de nos engajar melhor em uma comunidade global de hermenêutica e missão. Entre as alternativas possíveis, me parece que uma delas é a do isolamento e da “fossilização”, sem impacto missional relevante no mundo. A outra seria a de aprender a cooperar e assim continuar sendo instrumentos de um movimento missionário contínuo de expansão da fé no mundo e na história. Que caminho escolheremos?