O Choro dos Felizes
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Carlos Moreira
“Homem não chora!”. Ouvi isso muitas vezes... Era ainda pequeno, mas estava sendo treinado para ser um “campeão”, para superar a tudo e a todos, ser “forte”, suportar até mesmo a dor. Pura ilusão...
Hoje, homem feito, tenho dificuldades para chorar. Acho que
adquiri esse mal com o tempo, impermeabilizando sentimentos, permanecendo
firme, retesando a alma para que ela se tornasse imune a qualquer tipo de sensação.
Na “sociedade dos campeões” ninguém deve chorar! Choro é sinônimo
de fraqueza, de covardia e pequenez. Para valorizar esta “imperfeição”,
todavia, inventaram outros tipos de choro: choro de raiva, choro performático, choro
malcriado, choro chantagista. As lágrimas caem, mas são incapazes de produzir
qualquer tipo de bem para a alma.
Acredite, chorar produz coisas boas, mas apenas para quem se
abre para experimentar os matizes próprios de cada estação da existência. Por
isso Jesus afirmou: “Bem aventurados os que choram, pois serão consolados”. Sim,
só é pacificado em suas ambiguidades próprias, em suas agonias e contradições aquele
que se rende a enorme fragilidade de ser, pois só é possível refazer o vaso
que um dia se quebrou.
Por isso, só quem se arrisca a ser vulnerável é que pode
experimentar a grande alegria que há em chorar. Só quem desistir de ser o
super-homem conseguirá tirar proveito da dor, da perda, da solidão. Todos os
demais estarão lutando contra si mesmos, buscando lubrificar nervos de aço para
que a engrenagem psíquica possa suportar a grande “tragédia” de sermos humanos.
Ah, quão triste é passar pela vida e, aos poucos, quase que imperceptivelmente,
perder todas as sensações, ir se desumanizando, tornando-se de lata. Triste é não
nos sensibilizarmos mais com a miséria, com a injustiça, com o sofrimento do
outro, traços do real que, na tela de nossas vidas, virou apenas drama do
imaginário.
Mendigos, velhos, crianças de rua, travestis, drogaditos,
para nós são apenas personagens que se exibem no trailer de um filme qualquer,
como se jamais pudessem fazer parte da atração principal. Eles estão à margem e
lá continuarão. De nós receberão apenas desprezo e, num caso extremo, alguns
trocados, quem sabe?
Digo-te sem medo: é tempo de chorar, de deixar que lágrimas
corram pelos nossos olhos de chumbo, encharcados de cinza, fartos de tanto
asfalto e concreto. Chore logo, hoje, não deixe para chorar amanhã! Faça como
Drummond: “Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros
que não tenho tido tempo de chorar”.
Estou certo que só os felizes é que são capazes de chorar, pois
eles entenderam que a vida não é feita só de riso e festa. Diz o salmista “Quem
sai andando e chorando enquanto semeia voltará com alegria...”, pois na
semeadura da vida, lágrimas são sementes de esperança que regam o chão duro e
batido do cotidiano com vistas a produzir paz e bem para o ser.
Desejo-te, então, um bom choro.
Carlos Moreira é editor do Genizah e escreve também para A Nova Cristandade.
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