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VIAGEM (E QUE VIAGEM!) NO TEMPO


Digão

No ano 2376, a Comunidade Universal Internacional Mundial Intergalática do Reino Feudal Reformado dos Santos dos Últimos Dias precisou fazer nova sucessão acionária. Era um empreendimento enorme, que contava com 6.894.456 sócios, com várias concentrações em cada domingo, e vários campos para as concentrações. Tinha rede de TV, internet, SPA, shopping, campo de paintball. Tinha até mesmo uma moderna livraria, mas a última Bíblia vendida fora há 7 anos atrás, quando o supremo patriarca D. Terranova IV, o divinoso, em associação com o andróide Ratzinger IV (um clone defeituoso do orginal, pois veio com cabelo vermelho), de sua sede sumopatriarcal em Boca Raton, decretou nos altos céus que quem falava por Deus era só ele, sendo proibida a comercialização, leitura e circulação de Bíblias, sob pena de morte, banimento, ostracismo ou ficar assistindo a filmes iranianos, o que for mais cruel. 

Mas a direção da Comunidade, feita de pessoas com MBA em agrobusiness e estética facial (era obrigatório naqueles dias), não fora feliz com os dois últimos gospel-entertainers, que é o nome dado a pastores daquele tempo. O penúltimo enlouqueceu com tanta cobrança e tanta falta de apoio e amor que resolveu vender artesanato na Praça Sete em Belo Horizonte; o último achou que era um pelicano e pulou da janela tentando voar, se esborrachando todo.

Como estavam no futuro, resolveram aproveitar as vantagens da tecnologia e comprar uma máquina do tempo, caríssima, que já tinha sido do Marty Mcfly. Como queriam um gospel-entertainer de ponta, resolveram voltar aos tempos antigos, para ver como o pessoal que vivia no tempo daquele livrinho antiquado e proibido se sairia. Conseguiram uma excelente contratação. Mas, antes, o relatório da viagem. E põe viagem nisso!

Relatório 12.5
Ano 2376
Eu, Janes de Souza, juntamente com meu colega de direção Jambres Matoso, sob as auspiciosas bênçãos do supremo patriarca (salve! salve!), saímos em nossa incessante busca por um novo gospel-entertainer. Tal tarefa era de altíssimo risco e grande responsabilidade. Precisávamos de alguém que pudesse nos entreter nas noites de domingo, tão cheias de compromisso. Após termos nosso tempo de entretenimento com a riqueza cultural de Faustão Neto, era necessidade nossa a extensão do nosso lazer noite adentro. Como os teatros, circos e cinemas caíram em desuso, só nos restaram as igrejas para nos divertirmos. Como elas estavam no campo do entretenimento desde o início do século XXI, com seus antigos programas humorísticos que faziam piadas com sementes, votos e promessas, conseguiram se manter neste campo com mais facilidade. Mas não tem sido fácil! Portanto, vamos voltar no tempo e arrumar um bom gospel-entertainer! Afinal, como dizia aquela velha canção do nosso hinário, eu quero de volta o que é meu!
Chegamos ao tempo da Criação. Ou pelo menos deve ser isso, tem tanto tempo que não chego perto daquele livrinho que nem me lembro direito. Hum, Adão não serve como gospel entertainer. Tem família pequena, o que facilita os nossos gastos, mas ele descuida muito da dieta.
Vamos adiante. Hum, Elias não serve também. Precisamos de alguém mais moderado, e ele não sabe negociar com aqueles que ficam gritando uga-uga em cima do monte. Pra que será que estão fazendo aquilo? Mais pra frente, mais pra frente.
Eliseu também não serve. Pra começar, o sujeito é careca, e o gospel entertainer deve ter uma boa aparência, já diziam os antigos registros do profeta Silvio, o Santos (1.71). Além disso, também não é bom de conversa, pois logo despachou o sujeito todo manchadinho de branco (tem cara de militar). Aff, ta difícil. Mas com fé na minha fé eu vou conseguir romper o sobrenatural!
Mais adiante... Ah, ali vai dar... não, não vai dar. Jambres me disse que o nome daquele ali é Jeremias. Mas é um sujeitinho inseguro, deprimido, e que ainda fala que Deus o decepcionou! Nosso supremo patriarca (salve! salve!) jamais aprovaria palavras de derrota assim. Afinal, palavras são sementes que geram bens a nosso favor no mundo penicosférico!
Ah, vou mais pra frente. Não gostei de nenhum desses daqui. É o tal de Ló que larga o tio rico (pelo menos ninguém pode reclamar que a mulher dele era sem sal), é o tal de José que não aproveitou a chance de dar uns créus na mulher do Potifar, é um pessoal esquisito, tão diferente da gente!
Ah, a coisa aqui nesse outro tempo também não ta muito diferente. Olha aquele ali! Largou a banca de dinheiro para ir atrás daquele barbudo que não sei quem é! Que insensatez! E aquele outro, que largou os peixes? É micro-empresário, podia servir, mas é muito esquentado e bronco, até arrancou a orelha do pobre guardinha! Tem aquele outro que pode servir, é médico, profissão importante. Ih, não vai dar, ele não é judeu, é gentio, não tem pedigree, coisa que nosso supremo patriarca (salve! salve!) abomina. Só tem uma coisa que nosso supremo patriarca (salve! salve!) abomina mais que gente sem pedigree: é cheque sem fundo.
Aquele outro ali é bom, tem cultura, fala com gente importante, com filósofos, sabe se portar. Mas fala demais, e coisas sem importância. Fala demais de um tal de Cristo, que nem me lembro mais. Ah, o Jambres me lembrou que esse Cristo é o barbudo que foi seguido pelo tal que largou a banca de dinheiro. Desperdício, tsc, tsc.
Ah, acho que aquele serve: é administrador, economista, sabe fazer render o dinheiro, sem desperdiçar com, urgh, pobres (valha-me nosso supremo patriarca salve! salve!), tem bom relacionamento com o clero e com a nobreza, é afável, chegando até mesmo a cumprimentar as pessoas com beijinhos, como fez com aquele barbudo ali. É esse mesmo! Voltaremos ao nosso tempo com nosso contratado!

E assim, a Comunidade Universal Internacional Mundial Intergalática do Reino Feudal Reformado dos Santos dos Últimos Dias contratou sua cara-metade como gospel entertainer. Judas Iscariotes se deu muito bem no futuro. Só reclama da falta de camelo.


P.S.: Antes que você ache que eu viajei demais, é bom lembrar o que nos diz o livrinho antiquado: Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue. Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles. (At 20.28-30)

Digão acha que a viagem de muita gente vai bem mais longe.
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  1. Muito boa mesmo essa estória de Janes de Souza e Jambres Matoso,ae Digão tá de parabéns por essa aventura desses dois personagens que você criou,foram achar logo Judas Iscariotes nessa viagem de volta ao passado,kkkkkkkk,deu certo demais essa nova contratação,Judas Iscariotes o novo gospel entertainer,kkkkkk,só faltou o camelo.

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  2. Ficou bem no estilo de Douglas Adams essa narrativa!
    Ótimo texto!

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