Sobre Cachaças e Guitarras
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Eliel Vieira
Na universidade onde estou me graduando em Comércio Exterior em todo semestre os alunos elaboram em grupos trabalhos longos que envolvem todo o conteúdo aprendido nas demais disciplinas do semestre (os chamados trabalhos interdisciplinares). Há dois semestres atrás meu grupo escolheu como objeto de estudo uma empresa mineira exportadora de cachaça para a Europa.
Durante uma das entrevistas com o dono da marca da cachaça nos contou que a cachaça que ele vende para a Europa, e que é apreciada lá por ser diferente de todas as demais, não é feita por ele, mas em um alambique no sul de Minas que fabrica a mesma cachaça que podemos encontrar em qualquer botequim de nosso Estado.
“Onde está o segredo, então?”, perguntamos.
“Está na madeira onde a cachaça é envelhecida. Qual madeira que é e em quais condições deixamos a cachaça lá eu não posso falar.”, respondeu o dono da empresa.
Logo após me lembrar deste trabalho semestral e destas curiosidades que aprendi sobre o envelhecimento da cachaça eu me lembrei de outro diálogo interessante, que ocorreu há mais ou menos quatro anos, em uma roda de instrumentistas. Estávamos em um trailer comendo hambúrguer e conversando sobre música quando dois guitarristas começaram a falar sobre como o tipo de madeira na qual é feita a guitarra influi no timbre do som que ela emite. Eles falaram sobre um modelo de guitarra lançado no início nos anos 90, feinha, rude, mas cuja madeira é rara e excelente (talvez por seu envelhecimento, ninguém sabe ao certo), e que, por esta razão, é incrivelmente rara.
Muito interessante de se observar nesses dois casos é a capacidade e a potencialidade que a madeira tem de influenciar e moldar a forma das coisas com as quais ela se relaciona (nesses casos, o gosto da cachaça e o som de uma guitarra), ao mesmo tempo de forma tão sutil (já que esta influência não é percebida pela maioria das pessoas) e importante (ao ponto de muito dinheiro em pesquisa ser investido para otimização dos resultados desta influência).
O estranho (e curioso) é que geralmente é a madeira que é moldada, e não quem molda. Sempre pensamos na madeira como algo que recebe uma forma, não como algo que ajuda a gerar uma forma. No caso do envelhecimento da cachaça, por exemplo, muitos veriam o barril de madeira onde a cachaça é estocada de forma totalmente passiva – ela foi moldada apenas para guardar a cachaça até ela ir para as garrafas. No caso das guitarras, muitos enxergam a madeira como um mero objeto necessário, porém coadjuvante, da guitarra como um todo. Porém, como vimos, em ambos os casos a madeira é uma responsável efetiva pelo teor da cachaça que as pessoas bebem e pelo som que as pessoas ouvem das guitarras.
Agora, pense como as coisas são muito parecidas, mas muito mesmo!, em nossa vida cristã, tanto pessoal como eclesiástica. Quantas vezes nós pensamos ser os influenciadores quando, no fim das contas, somos nós quem fomos os influenciados. Eu enxergo isto com muita clareza nos caminhos que o evangelicalismo brasileiro tem seguido de alguns anos recentes para cá.
Observe como a igreja evangélica brasileira caiu na armadilha de tentar influenciar o mundo e, no fim das contas, ela própria ser vergonhosamente influenciada. Tenho apenas 24 anos, mas lembro-me de uma época em que ser “evangélico” (na verdade, as demais pessoas usavam o nome “protestante” ao se referirem a nós) não era algo “legal”. Os católicos tinham muita aversão a nós evangélicos por afirmarmos que eles eram idólatras. Ao mesmo tempo havia um certo “ódio” pelos evangélicos serem, na época, pessoas de caráter, íntegras e, em comparação aos católicos, inteligentes e conhecedores da fé que eles tinham.
Eu me lembro desta época porque vivi um pedaço dela. Lembro de como minha professora e os meus amigos de classe olharam para mim com ar de reprovação quando eu disse que não havia sido batizado quando nasci e que, portanto, não poderia levar a foto deste evento para a escola. Ser “evangélico” era algo completamente contracultural.
Ficou nítido aos olhos de todos os observadores nestes anos como a igreja evangélica passou a desejar um espaço cada vez maior na sociedade e na mídia, com o intuito original de influenciar a mesma, e como ela fez uso de meios contráditórios ao Evangelho a fim de atingir tal objetivo.
Agora, o que se tornou o evangelicalismo brasileiro? Se tornou um segmento eclesiástico sem identificação bíblica, sem profundidade teológica, sem conhecimento daquilo que se crê, totalmente heterogêneo e heterodoxo, que muda a cada vento de doutrina que surge, que abraça tudo o que o mercado e a moda ditam, que incorpora à sua liturgia qualquer merda (desculpem-me, não consegui pensar em uma palavra mais apropriada) que artistas riquinhos inventam, que adota para si valores seculares e que quer, a todo custo e independentemente dos meios que sejam necessários, “salvar” almas (lê-se, aumentar o número de membros da igreja).
A cada dia que passa, por mais que eu tente me esforçar, as irônicas palavras de João Alexandre se identificam mais com minha vida. “Procuro alguém para resolver meu problema, pois não consigo me encaixar neste esquema.”
Já ouvi muitos dizerem que a tarefa dos mais lúcidos é fazer com que os cegos consigam enxergar. Em outras palavras, a tarefa dos que enxergam distorções é influenciar seus irmãos e fazer com que eles voltem ao caminho certo. Agora, é desanimador pensar nesta tarefa uma vez que os nossos irmãos evangélicos não querem de fato mudar, e é muito ruim se sentir o peixe fora do aquário que quer que todos mudem por causa dele.
Bem, no fim das contas, acho que não há conclusão nenhuma a ser escrita aqui, pois simplesmente não existe um “Guia prático sobre como influenciar sem ser influenciado”. Queria terminar dizendo que sou otimista, que Deus nos dará força e que eu ainda tenho esperanças, mas, sinceramente, não tenho. Aos que ainda sonham em salvar o Titanic do naufrágio, espero que esta reflexão análoga lhe seja muito útil.
Eliel Vieira, que toca guitarra, mas não bebe cachaça... rsrsrsrsrs
ResponderExcluirTexto muito lúcido, embora tenha falado em cachaça!! Valeu Eliel...
Eu também vejo como o autor... A igreja no desejo de influenciar, fatalmente tem sido influenciada por todo esterco que aparece...
Nem tudo que tem aprência do bem o é verdadeiramente....
Cachaça é legal! hehehehehe
ResponderExcluirEu nunca tinha pensado por esse lado, mas a ânsia de influenciar sem conhecer as verdadeiras bases deu nisso.
Eu tive a sorte de ter sido verdadeiramente discipulado por alguns cristãos bem pacientes que me influenciaram.
Existe uma solução para quebrar esse ciclo, cristãos maduros estudando junto com neofitos, ensinando, nada massificado, 1 a 1. Não foi assim que tudo começou?
Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!Clap!!!
ResponderExcluirNa época que me converti (1997), eu saia de casa com a Biblia escondida em uma sacola pra evitar "apedrejamentos". Nâo demorou muito e eu criei coragem e enfrentei o meu mundo de peito aberto.
Lembro da minha vózinha tiste e chateada comigo porque tinha mudado de religião, e de meus amigos transtornados com o fato de me tornar evangélico: "Dou um mês pra você!!!" E lá se foram 13 anos.
Como a pregação do evangelho decaiu nesse período. Como os valores se inverteram. O conflito hoje é no seio da igreja, que está igual aqueles prédios com risco de desabamento. Os verdadeiros cristãos são aqueles pedaços de madeira que servem de suporte pro resto da construção não vir abaixo. Nâo perca a esperança meu irmão, porque senão será menos um pra ajudar a sustentar. A pedra de esquina ainda está posta, e tenho certeza que Deus levantará uma geração capaz de restaurar esse edificio em ruinas. Um grande abraço!!!
Pois é, eu já peguei também essa época de total ignorância quanto o que eram os crentes, ou o protestantismo... Eu mesmo, em muitos aspectos era um ignorante no que diz respeito a própria fé que eu vivia... No que vejo, ambos os neo pentecostais quanto os históricos (meros convencidos de que têm a sã doutrina) vacilaram nessa caminhada... Se por um lado, os neopentecostais pecaram por colocar a busca de se enquadrar na podre lógica de mercado, e as igrejas históricas que se enjessaram em sua capa de ortodoxia caduca...
ResponderExcluirAco que diante disso, o mundo caminha para algo bom que é, quem sabe (assim sonho) as pessoas finalmente consiga separar espiritualidade de religiosidade... Ou perceber que o Jesus de Nazaré é alguém que certamene, se ainda estivesse humanamente entre nós, estaria bem distante de qualquer uma delas...
Enfim, gostei do texto, e ao contrário do autor eu não toco guitarra, mas uma cachacinha é sempre bem vinda!
Eu me encontro na mesma situação que você descreveu. Como alertar um povo que se faz de surdo pra Verdade, que prefere correr atrás do Vento e se acomodar deixando que "Lobos" pensem em seu lugar.
ResponderExcluirE também não vejo nenhum sinal de melhora, pelo contrário as coisas parecem que realmente vão é piorar.
"...Ficou nítido aos olhos de todos os observadores nestes anos como a igreja evangélica passou a desejar um espaço cada vez maior na sociedade e na mídia, com o intuito original de influenciar a mesma, e como ela fez uso de meios contráditórios ao Evangelho a fim de atingir tal objetivo."
ResponderExcluirParabéns ao Eliel pela reflexão. É dessa mesma forma que tenho visto.
"Tenho apenas 24 anos, mas lembro-me de uma época em que ser “evangélico” (na verdade, as demais pessoas usavam o nome “protestante” ao se referirem a nós) não era algo “legal”. Os católicos tinham muita aversão a nós evangélicos por afirmarmos que eles eram idólatras."
ResponderExcluirPior q eh vdd msm, quem viveu os tempos do primário sabe o quanto era chato...hahahaha
Olha muito bom o texto... postei algo que considero interessante em meu blog. Se quiserem dar uma olhadinha,ficarei honrado com a visita.
ResponderExcluirhttp://fladayoliveira.blogspot.com
É triste... mas esta é a nossa realidade.
ResponderExcluirParabéns pelo texto!
Conheçam o meu blog: http://ivandromenezes.blogspot.com/2011/01/o-pecado-da-ingenuidade.html