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Santidade & Sanidade: Arte, Lazer, Prazer



Robinson Cavalcanti


Abençoado país, com esse sol, essas praias, essa natureza, esse cheiro, essas comidas! Abençoado país que vive um não-tempo lúdico entre o Natal e o Carnaval: férias, festas, viagens, confraternizações, em que os pobres podem se alegrar na geral dos estádios, na comida do galeto ao molho de poeira, e que transformam a caixa de fósforos em instrumento musical!

Gilberto Freyre, apesar dos nossos problemas, se sentia feliz ao dar um passeio pela vizinhança e sentir o cheiro da moqueca de peixe ao dendê. O que ele denominava de “civilização luso-tropical” inclui o lúdico e não é brigada com o corpo. O “mestre de Apipucos” (ele mesmo um ex-batista) denunciava que, no Brasil, “os protestantes deram bons gramáticos, mas não literatos”.

Certa feita, eu estava em um jantar em que um grupo de professores universitários se despedia do Adido Cultural do Consulado dos Estados Unidos no Nordeste. A certa altura, nosso homenageado comentou: “Somente vivendo no Brasil é que eu descobri ter sido criado em um país de formação puritana. Sentado na Praça da Alimentação de um centro de compras, nos sábados à tarde, vendo aquela gente bonita, arrumada e cheirosa, me lembrava de cena semelhante em meu país, de tantos obesos e desleixadamente vestidos, de mal com o corpo”.

Sabemos que Deus criou o mundo em seis dias, e descansou no sétimo, mas há, na Igreja os que censuram Deus por não ter trabalhado a semana toda. Essa gente tem medo do lazer, porque tem culpa do prazer. Esse – para elas – o problema com a literatura e a arte: a liberdade da imaginação, a estética e o prazer, lembrados apenas dos efeitos da Queda, mas não da permanência da imago dei e da harmonia possível com a natureza.

Daí, enquanto estou disposto a brigar de foice pela singularidade de Cristo, das Escrituras e da Igreja, pela Sã Doutrina dos Credos e das Confissões de Fé Reformadas, pelo ideal de santidade, por associá-la com sanidade, tenho o pé atrás com a importação de tradições, repressões, usos, costumes e neuroses, dos sinceros, porém equivocados, irmãos ortodoxos (inclusive anglicanos) de outros países.

Busco harmonizar a fé evangélica tanto com o Anglicanismo quanto com a Brasilidade. Alguém já afirmou que “um fundamentalista é alguém que vive o desconforto permanente de imaginar que em algum lugar, naquele momento, alguém está tendo prazer”.

Santidade/sanidade/lazer/prazer/literatura/arte/fé/piedade/brasilidade. Prefiro buscar a santificação dos excessos de prazer da terra brasilis, do que a sua escassez importada de outras terras, mais patogênica e mais perigosa.

Vivamos a Fé e a Festa, a quadra da Epifania, e, na Quarta-feira de Cinzas iniciemos, finalmente, o “ano novo brasileiro”.



Edward Robinson de Barros Cavalcanti é um teólogo, político e bispo da Igreja Anglicana do Cone Sul da América, comandando a diocese de Recife. Foi professor da Universidade Federal de Pernambuco e escreveu dez obras sobre religião. Em 1997 foi eleito bispo da diocese de Recife. Como bispo diocesano, ordenou 57 diáconos e 49 presbíteros. Nesses sete anos foram abertas 34 das presentes 44 comunidades da Diocese Anglicana do Recife.

Postar um comentário

  1. Infelizmente para muitos o simples fato de se levar as crianças ao parque num sábado à tarde se constitui num pecado gravíssimo.
    Zelo de Deus, mas não com entendimento.
    Desconhecem que também nos relacionamos com Deus ao nos relacionarmos com o próximo, nos alegrando entre os nossos.
    Definitivamente, nosso Deus não vive de cara amarrada, não é iracundo.

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  2. Genial.

    Compartilho agora desse modos operandi da minha fé.
    Já fui ump pouco de cada ... agora creio que estou no processo de equilibração.

    Fantástico

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  3. Olá a todos...

    Não querendo defender um puritanismo legalista, mas acho complicadíssimo afrouxar as rédeas doutrinárias a tal ponto como esse texto.

    Considerando a grande massa leiga, se faltar a exortação quanto aos limites dessas "artes e literaturas" supra-defendidas, um grande número de cristãos irá oscilar entre uma arte neutra e uma "Dona Flor e seus dois maridos" tranquilamente, irá passear entre uma festa da cidade e uma festa funk, ou junina sem titubiar, afinal pois, é arte, é literatura ,,,

    A diretiva bíblica para não amar as coisas do mundo é muito clara (1 João 2:15), se Deus diz isso, é por que o sistema de vivência daqueles que estão no T da Tulip não o agrada, e nós não podemos ser participantes...

    É igual música, ela é uma arte,,,e nem por isso eu vou me deleitar em todas elas,,,já imaginou um servo de Deus se esbaldando na música do Bruno e Marrone sobre a pescaria onde o cara conta uma mentira pra esposa e vai: "Lá ninguém se mete, lá vai ter sete (mulheres) pra cada homem".

    Que isso meu povo, onde está as admoestações de Paulo (1 Cor:7), cadê o compromisso de se manter afastado desse mundo (sistema) que adultera a verdade e santidade de Deus? ( Tiago 4:4 )?

    O relativismo teológico tem jogado um balde de água fria no cristianismo, da mesma forma que o exagero neo-pentecostal o tem feito.

    abrãços...

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  4. Graça e Paz!

    Anglicano? Sei não...

    Harmonizar fé evangélica com o que mesmo?

    Pois é, cada dia, mais um para relativizar a sã doutrina.

    Laus Deo

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