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Essência e Existência: Uma Dialética Possível


Por Carlos Moreira


Quando o filósofo existencialista Jean Paul Sartre faleceu, em 1980, os jornais da França estamparam a manchete: “A França Perdeu sua Consciência”. Sartre foi, sem dúvida, um dos principais filósofos do nosso tempo. Ele criou um estilo inconfundível, pois, distanciando-se do academicismo, entrou na existência cotidiana através de personagens de romances, poesias e peças teatrais.

Expoente do existencialismo, corrente filosófica que afirma que o significado do ser humano pode ser apenas encontrado no ser existente em si mesmo, Sartre deixou como contribuição principal a idéia de que a identidade de uma pessoa não está em sua natureza, pois existir é fazer-se, é tornar-se aquilo que é.

O surgimento do existencialismo trouxe como conseqüência imediata a ruptura com a metafísica essencialista, que durante muitos séculos, dos gregos até Hegel, estudou e afirmou a essência humana – o homem é imagem e semelhança de Deus – deixando sua existência cotidiana ignorada. E foi assim, sob esta tese, partindo de Agostinho, que o cristianismo ocidental se estabeleceu.

Como era de se esperar, o choque entre estas duas correntes aprofundou ainda mais a dicotomia já existente entre essência e existência, pois muitas das doutrinas cristãs são um sincretismo do neo-platonismo com o cartesianismo e o “produto” final gerado é uma metafísica onde o material e o espiritual jamais se coadunam, pois são irreconciliáveis.

É por isso que em nossas “teologias encarnadas” encontramos tanta separação entre “coisas do mundo” e “coisas espirituais”, como se o nosso ser fosse feito de dois pedaços incomunicáveis. No nosso universo vivencial, é comum nos depararmos com conceitos tais como: “música do mundo” e música gospel; arte sacra e arte “profana”; literatura devocional e literatura existencial; vida secular e vida religiosa; e por ai vai...

O grande problema de tudo isto é que no mundo moderno não dá mais para sustentar este tipo de proposição e por uma questão muito simples: nossa sociedade vive sob a cultura da globalização, das tecnologias interconectáveis, do saber interdisciplinarizado, dos textos plurisignificados, ou seja, toda compartimentação, todo isolamento, todo hiato torna-se obsolescente e perde imediatamente sua razão de ser.

A conseqüência disso é que nós cristãos estamos ficando isolados do mundo que nos cerca, não só das realidades existenciais, mas, principalmente, das pessoas. Nossa doutrina é um ensinamento desarticulado, carente de uma ressignificação hermenêutica; nossa linguagem é “gíria de gueto”, cheia de chavões; nossos dogmas são muros intransponíveis, e porque não dizer, insustentáveis; nossas igrejas tronaram-se ambientes fechados, “escolas de profetas”; nosso comportamento é caricaturado, normatizado, um código de conduta inspirado no método de Procusto.

Por isso, não é sem motivo que a grande maioria das pessoas hoje é refratária a Igreja e ao cristianismo. A explicação, dentre outras coisas, está no fato de que nós nos tornamos seres de outro planeta! E pior do que isto: nem mesmo o que afirmamos como mensagem se materializa como fé e prática em nossa vida. Somos muito mais performáticos do que autênticos. Parecemos, mas não somos de verdade. Amargamos existir para fora como um embuste, uma fraude.

Ora, o que você imagina que este tipo de “espiritualidade”, baseada no trinômio – mente cauterizada, coração impermeável e alma esvaziada, pode produzir? Eu lhe digo: uma consciência que não se ressignifica pelos valores do Evangelho, e por isso nem é transformada nem pode produzir transformação; um coração endurecido e brutalizado por todos os matizes da sociedade de consumo, incapaz de perceber o planeta ou de se solidarizar com a humanidade e, finalmente, uma alma confortavelmente anestesiada por antidepressivos e ansiolíticos, paliativos alternativos que nos ajudam a suportar não só as pressões e contradições que experimentamos, mas também nossa total incapacidade de encontrar propósito e significação no chão da vida.

Todos os dias encontro pessoas desejosas de construir uma fé centrada, articulada, instigante, que produza um viver sustentável. Elas querem ter uma experiência com o transcendente a partir do imante. Mas, desgraçadamente, do jeito que está hoje, o cristianismo não lhes serve como opção neste propósito, pois não é capaz, sequer, de lhes chamar a atenção. Sobrará, então, como opção “religiosa”, abraçar as filosofias e crenças orientais ou as doutrinas espiritualistas.

Chega de tanta radicalidade! Chega de tantos paradigmas! Eu acredito que essência e existência são coisas que caminham juntas e que podem ser conciliadas para corroborar na construção de um ser humano melhor. A transformação da consciência produz uma nova matriz existencial e a caminhada cotidiana, as experiências vividas e processadas, retroalimentam e renovam a consciência.

Veja se não foi justamente isso, olhando para as Escrituras, que Jesus afirmou: “vinho novo em odres novos”. Vinho novo tem a ver com os valores do Evangelho e as verdades do Reino de Deus, os quais são capazes de reconstruir a consciência. Odres novos são pessoas, tem a ver com o novo caminho existencial que cada um deverá encarnar para que a fé se materialize nas dinâmicas de cada dia.

Meu sonho, neste momento difícil, é que o cristianismo seja menos verborrágico e encontre a coragem de fazer uma reflexão crítica sobre seus pressupostos: proposições teológicas, crenças dogmáticas, sistemas eclesiológicos, práticas sacramentais e sistematizações litúrgicas. Ignorar isto é correr sério risco de falência múltipla, pois apenas se estará perpetuando – até quando? Não se sabe – a agonia provocada pelo que já se tornou uma infecção generalizada.

Agora, se quisermos mesmo mudar, que sirva-nos de inspiração a famosa frase de Soren Kierkegaard, filósofo dinamarquês em sua reflexão: “quanto mais eu penso, menos eu sou”. “Traduzindo em miúdos”: a existência vivida é muito mais rica que a existência pensada. É hora de agir, não de falar!

Solo Christus!

Carlos Moreira também colabora aqui na subversão do Reino





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  1. É isso!!

    O igrejismo está matando a igreja, que, nesse modelo, existe apenas para e por causa de sí mesma.

    Em Cristo,
    Ielton Isorro

    http://clamandonodeserto.blogspot.com/

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  2. Show o texto.
    Realmente, o que pensamos fazer e a realidade de onde vivemos e como somos andam juntos. Tambem fiquei cansado de tanto peso sobre pessoas que estão cansadas de um fardo tão grande, mas que não tem pra onde correr. Queira Deus que todas elas tenham ou busquem á Cristo, o discernimento para viver sempre o vinho novo, conforme o odre novo que se tornara do dia de sua conversão.
    Abração e Paz.

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  3. Diria que a essência da existência está no pensar aliado ao agir. A inércia nesse sentido leva o homem a sucumbir social, moral e espiritualmente...

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  4. Vivemos num aprisonamento de dogmas e doutrinas, do que é profano ou do que é santo. Paulo fala que tudo é lícito, mas nem tudo convem. São tantas coisas que nos são colocadas para seguir, para fazer, onde na verdade estamos esquecendo de seguir a Jesus. Termos consciência de nossos atos, agir conscientemente e saber das consequências de nossos atos é fundamental como você fala Moreira. Voltemos ao evangelho puro e simples. São tantas camadas que foram acrescentadas ao Evangelho do Reino, onde a essência se perde e é preciso cavar fundo para encontrá-la novamente. Hoje se tornou tudo tão complicado, tudo tão fantasiado onde se chega ao ridículo e a vida do Senhor Jesus é colocada de lado, Jesus é coadjuvante,onde Ele não é mais Senhor e sim sudito. Como a figura que estampa teu artigo, corta-se a cruz e mostra-se mais do homem, menos de Jesus. Um grande abraço. Que o Senhor te abençoe cada vez mais.

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