Já deu sua espiadinha hoje? Parte 2
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Hermes C. Fernandes
Nunca gostei de muros! Quando criança, pulava o muro de minha casa em Quintino para fugir pra igreja. Na adolescência, pulava o muro da escola para ir pra praia. Recebi uma criação muito rígida e presa. E isso me instigava a querer espiar o mundo lá fora. Vislumbrar realidades até então desconhecidas.
Muros cerceiam a liberdade. O que fora feito para nos proteger do mundo, acaba nos aprisionando em nosso mundinho particular.
Uma das coisas que mais me agradam aqui nos Estados Unidos é justamente a ausência de muros nas casas. Pena que as pessoas fiquem tão presas em sua privacidade doméstica, que não desfrutam muito de seus quintais.
Não fui feito para o clausuro. Gosto do vento em meu rosto e da sensação de liberdade. Liberdade de ir e vir, de expressar o que pensa, de escolher o que quer ler, comer, onde morar, estudar, etc.
Mas os muros existem... Alguns de concreto, outros bem sutis. Muitas vezes nós mesmos assentamos seus tijolos. Construímos muros para nos esconder, como também para esconder a realidade que nos circunda. Preferimos fingir que nosso mundo se restringe ao espaço guardado por entre os muros. Não há nada lá fora com que devamos nos importar.
Entretanto, os mesmos muros atiçam nossa curiosidade, e de quando em vez, espiamos por entre as suas frestas para saber o que se passa lá fora.
Moradores dos condomínios luxuosos ficam a imaginar o que significa viver em condições precárias numa favela. Já há até agências turísticas que oferecem pacotes em que seus clientes são levados pra conhecer a realidade nua e crua dos guetos cariocas. Os 'favelados' fantasiam sobre o estilo de vida dos ricos enquanto assistem às novelas globais.
Somos todos voyeurs sociais. Não é à toa que o Big Brother Brasil já está em sua décima edição. Em nenhum lugar do mundo este tipo de programa alcançou sucesso tão duradouro.
No artigo anterior, tomei dois personagens bíblicos para falar sobre o muro que separa as classes sociais. Bartimeu e Zaqueu viviam muito próximos geograficamente, porém socialmente bem distantes. Havia dois muros entre eles, um literal e outro social.
Estes dois personagens são arquetípicos. Nossa sociedade está cheia de Bartimeus eZaqueus.
Bartimeu representa os excluídos, as classes menos favorecidas, que cegas pela ignorância, são obrigadas a viver "à margem do caminho", na dependência da misericórdia de quem passe. O mendigo cego de Jericó tinha que usar uma capa, que lhe fora dada pelas autoridades romanas como uma espécie de licença para esmolar. Bartimeu era o efeito colateral de uma máquina social cujas engrenagens trabalham sem estarem devidamente lubrificadas pelo óleo do amor. Não haverá justiça social onde não houver amor. O que os mais pobres necessitam não é de uma capa, de uma licença pra pedir esmola, nem mesmo de misericórdia dos que passam, e sim de solidariedade. Não confunda filantropia com solidariedade. Ao passar por ele, Jesus não lhe deu esmola, mas restituiu-lhe a visão. Mesmo antes de receber a palavra que o curaria, Bartimeu, cheio de esperança e fé, abandonou sua capa e saiu tateando ao encontro do Mestre Galileu.
O Estado acha que cumpre o seu papel distribuindo cheque-cidadão, bolsa-família, e assim perpetua na população mais carente a mentalidade de pedinte. Solidário não é quem dá o peixe, mas quem ensina a pescar. Um exemplo desastroso do que o Estado Brasileiro tem feito é dar dinheiro para as famílias pobres de acordo com o número de filhos. Isso tem incentivado muitas famílias, principalmente no sertão nordestino, a aumentarem o número de filhos. O mecanismo da esmola apenas apazigua a consciência dos mais favorecidos e alimenta um filantropismo estéril.
As igrejas deveriam estimular as pessoas a dependerem cada vez menos da caridade do Estado ou de outras instituições, e a buscarem uma vida produtiva para a sociedade. Para isso, Bartimeu tem que voltar a enxergar! As pessoas precisam se preparar para a vida, estudando, buscando aprimorar seus conhecimentos. A educação é libertadora.
Zaqueu aponta para os que vivem do outro lado do muro social. São as classes abastadas, que colhem os dividendos da injustiça social, dos lucros abusivos do comércio e da indústria, dos famigerados juros bancários, e da máquina pública. Muitos indivíduos desta classe sofrem de um tipo de nanismo espiritual. Como Zaqueu, tendem a travar suas próprias buscas espirituais, valendo-se de frondosas árvores como a Ciência, a Filosofia e o Misticismo. Como Zaqueu, primam pela privacidade, seu maior temor é a exposição. Escondem-se por trás da folhagem provida pelo arbusto do conhecimento humano. Esses talvez até consigam vislumbrar algo, mas são incapazes de alcançá-lo dada a sua estatura. Almejam ver Deus, mas de camarote. Não é a Deus que procuram, e sim um sentido para tudo. Por isso, preferem o deus de Spinoza, de Einstein, dos deístas, que passa por eles, mas não interfere em seu cotidiano. Um deus que respeita sua privacidade. Querem ver, porém, sem serem vistos.
Jesus corta o barato de Zaqueu. Ele o chama pelo nome, e diz: Desce depressa! Se quisermos que nossa mensagem ecoe tanto nas palafitas quanto nos palácios, não podemos fazer média com ninguém. Pau que dá em Bartimeu, também dá em Zaqueu!
Só teremos condição moral de fitar Zaqueu e dizer que desça de seu pedestal, depois que acudirmos Bartimeu do lado de fora dos muros. Uma igreja sem responsabilidade social não está qualificada para atender às demandas espirituais das classes abastadas.
E se Zaqueu quiser mais do que simplesmente um vislumbre do Criador, terá que descer... terá que aceitar suas limitações e atender ao convite de hospedar em sua vida o Filho de Deus. Cristo jamais Se prestou a matar a curiosidade de quem quer que fosse. Ele busca relacionamentos, intimidade, interatividade.
Por não entendermos isso, achamos que devemos manter cada macaco em seu galho, isto é, deixar as coisas como estão, sem ferir o interesse de ninguém. Fica aí escondidinho, Zaqueu, que a gente vai ao seu encontro. Pode deixar que a gente vai preservar sua identidade. Apenas contente-se em ler nossos artigos e estudos em nosso blog e já está de bom tamanho. Só não esquece de depositar uma generosa oferta em nossa conta bancária...
Passando por Bartimeu, a gente pensa que basta lhe dar uma esmolinha, fazer-lhe uma oração, e pronto... cumprimos nosso papel.
Bartimeu foi reintegrado à sociedade. Entrou com Jesus na cidade. Abandonou sua capa, pois já não precisava de licença do Estado para esmolar. Zaqueu se arrependeu das mutretas que o fizeram rico, e chegou ao ponto de devolver o produto de suas extorsões. Isso sim é conversão. O pobre se livra da capa e da cegueira, o rico desce da árvore e abre sua casa para receber o Deus-Homem. A partir daquele fatídico dia, nunca mais Jericó foi a mesma.
Hermes Fernandes é um dos mentores da Santa Subversão Reinista no Genizah
Belo texto Hermes.
ResponderExcluirGostaria que você e o Danilo convidassem minha esposa Débora para conhecer o Genizah.
http://correndocomjesus.blogspot.com/
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Uma vez caí do muro e quebrei 4 dentes,,kkkkkkkkk
minha orelha é meio torta até hoje......
acho que fiquei meio tã tã também he he he he
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O texto estava indo bem até chegar na parte política, ao falar do Estado, com a velha máxima de "não dar o peixe mas ensinar a pescar", pelo jeito anda lendo muito a revista de doutrinação política extrema-direitista chamada Veja,
ResponderExcluirOcorre que o Brasil tem uma das piores distribuições de renda do mundo, se não a pior, a renda sempre esteve concentrada na mão de poucos privilegiados, o que é uma grande iniquidade com o povo brasileiro,
se a renda fosse distribuida com equidade não teríamos os milhares de miseráveis que temos, pois no Brasil há riqueza o suficiente para que ninguém viva na miséria, mesmo as famílias tendo quantos filhos pudessem gerar em tempo hábil,
a miséria brasileira não é devido ao excesso de pobres e seus filhos, pois nem excesso existe mas sim um decréscimo demográfico preocupante,
antes, a miséria é devido a ganância daqueles que tem mais do que precisam, por isso a Campanha da Fraternidade aborda o tema
Economia e Vida, com o lema "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro".
www.chatolico.blogspot.com
Tambem não tenho boas recordações de muros, até por ser gordinho, tudo é mais difícil, kkkkkkk.
ResponderExcluirQuantas vezes me arranhei.
Quanto ao texto no geral, muito edificante. Põe nossa cuca pra funcionar.
Um forte abraço e Paz.
Muito interessante sua forma de escrever. Estava acostumada a ler tudo com muitas citações e condicionamentos, isso assim até afasta leitores. Mas vc coloca como se estivéssemos no meio do texto. rs
ResponderExcluirMuito bom!
Ivone ( luacumplice.blogspot.com)
Caro Alexandre, não sou leitor da Veja, e sou alérgico à direita cristã fundamentalista americana. Acho que o Estado deve estender a mão aos necessitados, porém, dar-lhes muito mais do que um cheque-cidadão ou um prato de comida. O próprio Betinho acreditava que mero assistencialismo não pode reverter o quadro de miséria em nosso País. A igreja de que sou pastor faz trabalhos sociais regularmente, com distribuição de bolsas de compra, material escolar, etc. Mas além disso, também oferece curso de computação, alfabetização de adultos, escolinha de futebol, etc.
ResponderExcluirA propósito, nossa igreja (REINA) está plenamente de acordo com a campanha da fraternidade encabeçada pela Igreja Católica este ano.
Interessante. De fato os muros sempre trazem à memória o cerceamento da liberdade, os limites impostos por outrem. Nesse sentido, hoje vemos multidões aprisionadas por altos muros chamados "religião". Muros sem porta ou portão. "A Porta" (João 10.9), por sua vez, traz liberdade.
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