681818171876702
Loading...

Espiritualidade Platônica

Bráulia Ribeiro



“Todos nossos esforços estão hoje voltados para produzir um único fruto: mais prosélitos em nossos templos”


Fui visitar a cadeia de adolescentes da cidade onde moro. Sei que não se chama cadeia, e que tal estabelecimento não deveria se parecer nem de longe com uma – mas é uma cadeia, sim, com todas as mazelas que isso significa: celas cheias e imundas, confinamento integral, violência, promiscuidade, falta de opções de aprendizado ou reconstrução pessoal. De um lugar destes, não se volta. O corpo sai, ao fim da pena estabelecida; mas a alma do interno fica lá, presa com outros jovens franzinos, sedenta de ar e respostas. Choca saber que grande parte dos meninos que ali estão vieram de famílias evangélicas. Dentro das celas, há indícios da fé um dia aprendida – paredes pichadas com frases como “Jesus salva” ostentam também os mais repulsivos palavrões.

O que aconteceu com o poder do nosso Evangelho? Há algo de podre no reino da Dinamarca. A verdade de Cristo parece não estar resolvendo muita coisa numa cidade em que pelo menos 40% da população confessa-se evangélica. Mas será que a verdade chegou integralmente até ali? Será que a mensagem da verdade, que é o próprio Cristo, foi entendida e vivida pelos cristãos e transmitida de maneira clara? Temos que crer que o problema não está na mensagem, cujo DNA é do nosso Deus Criador e Todo-poderoso. O problema tem que estar nos filtros que usamos para perceber e transmitir essa mensagem.

O poder transformador do Evangelho é proporcional à integridade com que sua mensagem original é mantida. Se alguém observasse a Europa pré-Reforma, com suas pestilências, guerras, sociedade hierarquizada ao extremo e cidadãos mergulhados nas trevas da ignorância, diria que a mensagem cristã também ali era inefetiva, já que a população do continente era primordialmente cristãos. No entanto, assim que a mensagem foi clareada, ou seja, assim que houve um retorno a princípios básicos antes ignorados, a transformação foi imediata. Lutero, Calvino, Zwinglio e outros reformadores pregaram o Evangelho do homem todo e da sociedade toda – o Evangelho da redenção social e individual. A influência desta teologia gerou o desenvolvimento dos países do norte da Europa e da América anglo-saxônica, o que se faz sentir até hoje.

O Brasil cada vez mais evangélico, assim como a Europa medieval, se debate em agonia com a falta da aplicação da mensagem integral do Reino de Deus. Reduzimos a mensagem do Evangelho a um significado só – apenas a salvação importa, e esta salvação tem uma manifestação única, a conversão do indivíduo salvo às nossas denominações evangélicas. Isso torna nossa pregação extremamente proselitista. Diante dos problemas sociais graves que vemos no Brasil, temos só uma resposta: “converteremos todos à nossa religião e então teremos cumprido a vontade de Deus e o Brasil será um país melhor”.

Tentamos ser relevantes, mas nosso fruto é sempre o mesmo. Temos um sabor só, uma cor só, um fruto só: religião. Pensamos em nossa tarefa como sendo unicamente a de salvar indivíduos. Se vamos ao presídio, falamos de salvação, o que não é nada novo para os que ali estão detidos, se vamos à TV, falamos de salvação, como se o telespectador já não soubesse decor e salteado o que lhe apresentamos; se vamos ao Congresso, achamos que ao colocar a Bíblia na tribuna e evangelizar mais deputados, estaremos mudando a sociedade. Mas usamos dinheiro público para construir catedrais e beneficiamos os crentes com leis circunstanciais e oportunistas. Se fazemos trabalho social, pensamos, na maior parte das vezes, em “converter” mais pessoas. Todos nossos esforços estão voltados para produzir um único fruto: mais prosélitos em nossos templos.

O problema é que usamos o óculos grego para ler a Bíblia. Na cosmovisão greco-cristã, influenciada pelo platonismo, a alma e o espírito do indivíduo é a única matéria-prima possível para a ação do Espírito Santo para chegar a um produto único mais óbvio – a sua salvação deste mundo material corrupto para o perfeito mundo do espírito. Esta espiritualidade platônica acaba nos tornando mais parecidos com hinduístas do que com verdadeiros cristãos. Só que a cosmovisão hindu, que considera o mundo material absolutamente inútil e desprezível, produziu a miséria indescritível que hoje vive a Índia.

Se restaurarmos a compreensão tribal da mensagem de Deus, recuperaremos dois pilares fundamentais na visão de mundo judaico-cristã: a identidade social e a espiritualidade concreta, ou seja, a visão do ser humano como um todo, espírito e matéria. Entendemos que o grupo, assim como o indivíduo, também pode ser ou não “salvo”, refletir ou não os valores de Deus na prática social, nas leis, na forma de ser sociedade, no governo, na arte. Aí, passa a existir a dimensão sociológica do “amai-vos uns aos outros”. Temos que entender o plano de Deus para a sociedade e para todas as áreas da vida. Expressar o amor do Senhor para a sociedade a partir de nossa identidade coletiva é parte da nossa missão, tanto quanto lutar pela salvação de seus indivíduos.

Se pensássemos o cristianismo além da mera salvação, saberíamos o projeto concreto de Deus para o mundo dos negócios, para o sistema educacional, para a administração pública, para a cultura nacional. Haveriam outros frutos possíveis para nossa fé evangélica, além de igrejas cheias. Trabalharíamos com a essência divina da sociedade humana antes que ela se desintegrasse, abraçaríamos a cidade antes que nela se instalasse o caos. Se amássemos a socidade, seríamos capazes de articular nossa visão de mundo tão bem que as pessoas se apaixonariam pelo modelo social exemplificado por nós. Mostraríamos então na prática o amor incondicional e integral de Deus para todas as pessoas, independente de cor, classe social, gênero. Não guerrearíamos contra a sociedade – mas, ao contrário, nos uniríamos a ela para combater seus problemas e propor soluções. Mas por enquanto só temos produzido um único fruto: a religião, que se empobrece fria dentro de templos faraônicos.


Bráulia Ribeiro conspira para Reino, também no Genizah
Teologia 5044646462910954127

Postar um comentário

  1. Eu não sabia como mandar uma link de um quadrinho que eu vi, então eu resolvi postar um comentário. Quando eu vi o quadrinho pensei: É a cara do Genizah. Só não sei e vcs tem autorização pra publicar ou se terão interesse.
    http://loucosporcristo.com/wp-content/uploads/2011/02/5841.jpg

    Pb. Camargo - RJ

    ResponderExcluir
  2. Parabéns por este post, fico muito feliz por ainda existirem homens de Deus que possuem coragem de expor a palavra sem interesses pessoais ou denominacionais, vivamos para glória de Deus, deixemos nada mais do que o amor cristão venha fluir em nossas vidas e assim muitas pessoas preciosas chegarão ao conhecimento da Verdade que é CRISTO.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns à autora pelo artigo que produziu muita reflexão e edificação para a minha vida.
    A macrovisão do reino de Cristo produz o verdadeiro amor ao próximo e aos grupos sociais que compõem uma sociedade carente do amor apresentado por Cristo, e esquecido pela religião que tem olhos somente para o próprio umbigo.

    ResponderExcluir
  4. parabéns pelo texto
    muito bom.

    ResponderExcluir
  5. Aos irmãos do Genizah a graça de Cristo. Não me canso de citar Bráulia Ribeiro como uma de nossas melhores vozes cristãs no Brasil, atualmente. Participo pela 1ª vez aqui neste espaço e já recomendei aos irmãos da igreja em que congrego para que vejam e leiam os artigos do Genizah. O texto do artigo da Bráulia é, de fato, o que vemos hoje entre uma boa parcela dos crentes deste país. Que o Senhor nos faça mudar este pensamento! Fiquem com Deus!!!

    ResponderExcluir
  6. Muito boa a postagem.

    O erro de alguns pregadores é a evangelização parcial: ou é só a preocupação com o lado espiritual ("cristianismo-budista"), ou com o lado material (falsa prosperidade).

    A salvação do indivíduo é total e progressiva: espírito, alma, corpo, sentimentos, moral, financeiro... enfim, todo o ser e tudo o que faz. Basta ser obediente e paciente.

    ResponderExcluir
  7. Apesar de todo palavrório lustrado, como levar a sério alguém que escreve: "Se pensássemos o cristianismo além da mera salvação..." Mera salvação? Que salvação é essa referida pela autora? Aquela que custou o precioso sangue de cristo é que não é. Essa jamais podera ser considerada como "mera".

    ResponderExcluir

ATENÇÃO: Comente usando a sua conta Google ou use a outra aba e comente com o perfil do Facebook

emo-but-icon

Página inicial item