A igreja Circo
http://genizah-virtual.blogspot.com/2011/04/igreja-circo.html
Manoel D.C.
Da área
externa do estacionamento podiam-se ver as pontas das lonas que se
erguiam numa altura descomunal. Nas torres principais vislumbravam-se
contra o céu limpo as bandeiras com a logo da Igreja-Circo tremulando ao
vento. Na extensão do grande pátio havia barracas de venda de todo tipo
de produtos gospel desde frascos diversificados de óleos ungidos até
bíblias de batalha espiritual e unção financeira, vendidas ao “preço
módico” de 1000 reais.
Uma grande
multidão se movimentava freneticamente, se avolumando na entrada
principal, homens e mulheres se acotovelavam e se comprimiam buscando
uma oportunidade para entrar e se acomodar debaixo da grande lona
armada.
Um
diácono-anão de chapéu de palha, suspensório e gravata borboleta
postado sobre um alto palanque gritava em seu possante megafone que a
hora se esgotava, e que o espetáculo já estava para começar.
Eu
consegui entrar como por milagre, pois uma onda de fiéis me arrastaram
contra a correnteza humana, e quando dei por mim, já me encontrava
debaixo da Grande Lona, devidamente assentado, tendo uma visão
privilegiada do picadeiro todo iluminado.
Lá
dentro, havia um bulício generalizado, uma expectativa de que algo
grandioso estava para acontecer, afinal de contas, todos esperavam que
suas orações, necessidades físicas, emocionais e espirituais fossem
miraculosamente atendidas pelo Grande Enviado, o ilusionista
prestidigitador venerado por todos, que com suas mãos orvalhadas de óleo
ungido de Jerusalém irradiava unção curadora e prosperidade financeira,
mesmo que para atingir esse fim, fosse necessário dar tudo quanto
tinha, dinheiro, pertences, fosse o que fosse até a doação do vale
transporte e voltar para casa a pé, se pudesse ao menos tocar de leve
aquela mão fomentada de unguento sagrado.
Antes
da entrada triunfal do Grande Enviado, o espetáculo principal da noite,
alguns bispos-palhaços cuidavam de entreter a grande massa. O que mais
me impressionou foi a performance deles, as roupas dispendiosas que
usavam, o modo de falar persuasivo, convencedor, em meio à explosão de
foguetes multicoloridos e da chuva de serpentinas caindo brilhantes,
saíam de dentro das BMW negras que circulavam ao redor do picadeiro,
para se imiscuírem no meio do povo com sacolas de seda para coletar
ofertas e contribuições, e eu mesmo, quando me dei por mim já havia
posto na salva cem reais, que seriam destinados a pagamentos gerais, no
dia seguinte, das despesas do final do mês.
Nesse
ínterim, ecoou o som de um berrante executado por um homem todo
caracterizado de judeu, e logo após, o ambiente se encheu com acordes de
uma música de tonalidade estática, contorcionistas-levitas subiam de um
alçapão lateral entoando um mantra repetitivo, que levou o povo a uma
profusão de gestos descoordenados como se estivesse num transe coletivo,
tomado por um êxtase inebriante.
Foi
então quando os tambores rufaram produzindo um som ensurdecedor e
apareceram de todos os lados dezenas de malabaristas-obreiros
manipulando tochas de fogo que tremeluziam formando no ar palavras de
afirmação, e acima de nossas cabeças, de uma altura vertiginosa,
trapezistas-celulares caiam em queda livre, fazendo voos rasantes sobre a
multidão que aplaudia eufórica, enquanto recebia borrifos revigorantes
de água pura do Rio Jordão. Muitos choravam, outros se ajoelhavam com as
mãos erguidas para o céu, balbuciando palavras ininteligíveis.
Foi
então que a música atingiu o ápice, as luzes se apagaram e um canhão de
luz espargiu sua luminosidade em direção ao centro do picadeiro, de
onde se ergueu inesperadamente em meio a uma cortina de fumaça um
púlpito giratório no qual estava atrelado o Grande Enviado, imponente,
em seu fraque negro cintilante, portando cartola e cetro na mão, e no
frontispício da tribuna se exibia um letreiro com letras luminosas de
neon, onde se lia: Venham a mim para serem curados. Todos gritavam e
aplaudiam entusiasticamente.
Quando
ele ergueu a mão, bradou com voz postada exigindo do povo um brado de
vitória e um salto de júbilo, foi quando me vi me erguendo conjuntamente
com toda aquela multidão, como se tivessem molas ejetoras debaixo dos
assentos, e num salto coreografado e sincronizado, todos pularam ao
mesmo tempo e com o punho fechado gritaram a uma só voz: vidas, almas,
células!
A
seguir, o Grande Enviado expôs um sermão intimidador, se utilizando de
textos bíblicos fora de seu contexto hermenêutico e exegético, contando
histórias megalomaníacas de milagres e feitos heróicos, articulando
doutrinas humanas e estranhas, porém, com forte cunho persuasivo, e no
final do sermão, exigiu que ninguém questionasse suas palavras, pois era
ungido do Senhor, sob pena de qualquer um que o contrapusesse, ser
acometido de enfermidades terríveis ou de ser fulminado com morte
súbita, como castigo de Deus.
Após
emitir palavras de comando e frases de efeito poderosas, mostrou a
todos a cartola vazia, e depois, num gesto afetado, retirou de dentro um
cordeirinho branco, o que levou o povo a um verdadeiro frenesi de
estender de mãos, gente se atropelando e correndo em direção ao seu
benfeitor amado, para ser tocada e ungida por ele.
Foi
aí que eu caí em mim, e fui como que arrebatado de um transe hipnótico
profundo, e me vi ali, lúcido, a mente cristalina, me sentindo como um
peixe fora d‘água, percebendo o quão longe do Evangelho da Graça aquelas
pessoas estavam.
Aí
foi que, num arrobo de zelo e ira santa, me lancei energicamente à
frente para contrapor as investidas malignas do líder poderoso, e
enquanto erguia o dedo indicador na autoridade de Jesus para
repreendê-lo, eu acordei abruptamente de meu sono pesado, suando e
sobressaltado, ao discernir que estava imerso em um pesadelo, um sonho
atormentador, aliviado por um lado por ter despertado, mas apreensivo
por outro, ao perceber que a realidade não estava tão distante do meu
pesadelo perturbador.
Rapaz, veja lá o que anda comendo antes de dormir!
ResponderExcluirQue pesadelo horrível!
A realidade da Igreja Brasileira não está distante deste "pesadelo" do amado irmão Manoel Dc. Alguns nomes me ocorreram até... mas não seria prudente declará-los. Tenho certeza que muitos também farão uma lista mental de possíveis "Grandes Ungidos", com cartola na mão, levando multidões ao "delírio espiritual". Deus tenha misericórdia de nós, pois me sinto já vivendo uma espécie de "grande tribulação", ao me deparar com cenas reais tão parecidas com este "sonho ruim".
ResponderExcluirSola Gratia.
olá!
ResponderExcluirEscrevi algo semelhante há um tempo lá no Paixão e Compaixão: http://paixao-e-compaixao.blogspot.com/2010/11/igreja-teatro-invertido.html
Será mesmo que despertamos do pesadelo??
Olá Manoel, é bom que se faça separação entre as igrejas com práticas judaizantes, e a religião judaica praticada de forma legítima por seus adeptos, e que não tem nada haver com as práticas religiosas de determinados grupos cristãos.
ResponderExcluirCláudio Nogueira.
É uma pena que isso seja realidade em muitos arraiais gospel...
ResponderExcluirÉ, algumas dessas "igrejas" não precisam nem de lona para cobertura pois já são verdadeiros circos e o pior que o "espetáculo" só nos faz chorar de raiva.
ResponderExcluirP.S. Isso me pareceu a descrição exata da arapuca do RTN.
Isto não é um sonho, infelizmente é a realidade. Sonho é encontrar uma igreja verdadeiramente bíblica hoje em dia - que pregue a NOVA ALIANÇA sem misturas. Como minha velha progenitora já dizia quando a coisa estava difícil de se achar: "nem com vela acesa".
ResponderExcluir(nikita)
Que pesadelo meu irmão. Tomara que outros irmãos também acordem.
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