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Igreja Playmobil

Como é terrível conhecer, quando o conhecimento não favorece quem o possui!”. 

Sófocles

As escolas, que durante muito tempo estiveram sob o domínio da Igreja, acabaram sofrendo profundas mudanças desencadeadas pelas novas necessidades dos processos de produção advindos da Revolução Industrial. Não obstante tudo isto, já no século XIX, havia na Europa uma grande preocupação sobre as conseqüências de se letrar demasiadamente aqueles que, ao final, deveriam continuar ocupando os estágios mais baixos da sociedade. Este medo era sustentado pela pressuposição de que, uma vez instruídas, as pessoas começariam a alimentar ambições indesejadas, trazendo problemas significativos à classe burguesa. 

Mas foi esta mesma burguesia que acabou pressionando as escolas para que elas abandonassem o modelo ideológico religioso e se transformassem num local de disciplinamento e ordenação do saber. Segundo Maria da Glória Silva, mestre em psicologia, “tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, os ambientes escolares pareciam-se mais com quartéis, pois a instrução ficava em segundo plano, atrás da obsessão pela ordem e compostura”. 

Com os avanços da Revolução Industrial, a produção fabril superou o modelo de concepção artesanal e passou a basear-se em idéias de gestão científica, sobretudo impulsionadas pelo trabalho de F.W. Taylor. A tônica girava em torno da padronização e da rotinização máxima das tarefas, ou seja, os pressupostos da produção em série.

Mais do que se possa imaginar, esta mudança conceitual e ideológica afetou profundamente a civilização moderna e contemporânea. Mesmo com o desenvolvimento das teorias psicológicas da Gestalt, do Behaviorismo, do Cognitivismo, dentre outras, que serviram de arcabouço para mudanças no âmbito da escola, os conceitos tradicionais, já enraizados nas práticas de muitos educadores e, não raro, castradores e perversos, acabaram por moldar toda uma geração. Neste contexto, a Inglaterra foi sem dúvida um dos países mais afetados pela chamada “escola tradicional”, que tinha como pressupostos fazer com o que os alunos decorassem os conteúdos programáticos e obedecessem cegamente as regras e aos professores. A infração destes ditames era punida com castigos didáticos, físicos, além de humilhações e chacotas.

Se você já viu o filme “The Wall”, produzido em 1982 pelo diretor Alan Parker, o qual é baseado no álbum de mesmo título da banda Pink Floyd, talvez se lembre de uma de suas cenas mais marcantes. Nela, vemos a imagem dos alunos, com máscaras de bonecos presas ao rosto, sendo empurrados numa esteira rolante em direção a uma máquina de trituração que os transformava em lingüiças. Era a dura crítica de que os alunos haviam se tronado manequins seriados, e não seres pensantes.  A própria música Another Break in The Wall – Um Tijolo a mais Sobre a Parede  tem em sua letra duras críticas ao sistema de ensino inglês e aos professores. Em uma das estrofes, afirma de forma categórica: “professores, deixem os alunos em paz!”.

Estou falando sobre tudo isto porque eu acho que nosso sistema de ensino na Igreja está profundamente equivocado. Ele reproduz muito do que se viveu nos séculos XVIII, XIX e XX no mundo fabril. Estamos serializando as pessoas, transformando-as em commodities de religiosos. O problema já começa nos seminários teológicos, muitos dos quais são apenas “sociedades de profetas mortos”. Ali, jovens enviados sem qualquer critério de seleção pelas Igrejas, sem a mínima experiência com Deus, sem nenhum conhecimento das Escrituras, são expostos a conteúdos profundos de autores diversos que os faz, não raro, entrar em crise e perder a fé. Dali muitos sairão como “profissionais de púlpito”, mas jamais como pastores de "ovelhas". Há exceções, mas elas estão cada vez mais escassas.

Lembro-me do profeta Oséias: “
o meu povo está sendo destruído porque lhe falta conhecimento
”, porque o mais trágico ainda está por vir. Baseados em rotinas didáticas superadas – por vezes demasiadamente ortodoxas, em outros casos profundamente liberais – numa hermenêutica descentrada de nosso tempo e de nossa cultura, que insiste em fazer exumação da letra morta ao invés de ressignificar os conteúdos para expansão e construção de uma nova consciência, a Igreja acaba forjando, seja do púlpito, na EBD, no ensino dos pequenos grupos, ou nas reuniões de doutrina, uma práxis religiosa que apenas constrói gente robotizada, autômatos “espirituais”, bonecos com máscaras no rosto, vendas nos olhos e tampões na boca e nos ouvidos.

Não é sem motivos que parte da sociedade nos considera alienados. Isto se dá não porque temos os ideais e os princípios do Reino, mas porque nossas ações são bizarras, caducas e, por vezes, perversas. Tornamo-nos “discípulos” que decoramos meia dúzia de doutrinas, muitas das quais sincretizadas pelos vários tipos de denominações diferentes pelas quais passamos, e agora arrotamos um tipo de conhecimento bíblico que não tem nada a ver com o Espírito do Evangelho de Jesus. Como disse Charles Dickens, temos “uma vaga noção de tudo, e um conhecimento de nada”. Construímos self made religion – a religião self service.

Olho para a Igreja e sinto que ela se parece com um exército de Playmobil. Sabe, aqueles bonequinhos feitos na década de 80, todos iguaiszinhos, mas com roupinhas diferentes: somos nós! Crentes de mente cauterizada, falando e pensando as mesmas coisas, incapazes de nos conectarmos ao mundo que nos rodeia, com o coração petrificado e os nervos enferrujados. Somos a geração do “crente em série”, gente que engole o tiranossauro-rex e colhe o mosquito, que se escandaliza com tudo, cheia de fricotes e de frescuras, de condicionamentos comportamentais, de julgamentos sociais, de restrições sacramentais, e por aí vamos, bonequinhos forjados na Igreja-Fábrica, gente neurotizada, infeliz e incompleta, querendo mudar o mundo. Quanta utopia...

E há solução pra isso? Sei lá! Talvez jogando uma bomba e destruindo este mar de hipocrisia e insensatez resolva... O que falta-nos é paixão, é vida com Deus, é singularidade, é percepção do eu, das incompletudes do ser, das idiossincrasias, das falácias humanas, da trave nos olhos, de nos vermos do tamanho que somos, servos inúteis, gente carente da graça, da misericórdia. Impossível não lembrar de Da Vinci “todo conhecimento se inicia com sentimento”. É verdade meu mano. Sem amor, o que poderá ser aproveitado...

Carlos Moreira é da gangue Genizah. Outros textos seus podem ser lidos em A Nova Cristandade.

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  1. Fantastico texto,deveria ser lido em um culto de doutrina,a muito tempo a teologia que ja foi a ciencia máter deixou de ser ensinada,se tornou uma linha de montagem de ideologias chauvinistas,muito bem citado o clipe do pink floyd,é por isto que o povo esta cada ver mais alienado e com a mente doente achando diabo em tudo,john wesley disse uma maxima ''uma ''teologia que fala muito do diabo,só pode gerar um inferno de vida''..parabens

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  2. Sempre notei algo bizarro no meu comportamento cristão!! pq parece que sou um produto de igreja, nos ultimos 3 anos tenho sofrido muito com estas questões, liturgicas, "doutrinas humanas", misticismo invangeliqueis... tudo que sempre questionei estas questões a vida toda!!
    AINDA BEM QUE NÃO SOU O ÚNICO CRISTÃO CONFUSO!!!

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  3. Acompanho o blog, ja faz um tempo, e quando li esses post, me remeteu a vários fatos ocorrido nas igrejas que ja frenquentei justamente por serem pastores, líderes, membros padronizados, e o quanto ja ouvi de pastores " mas penso assim, nada mudara o meu jeito de ver"... Após esse post resolvi montar um blog, mostrando as dificuldades, e compartilhando as histórias de igrejas pequenas de cidades pequenas,,, pois o pastores pré fabricados normalmente ja vem de uma cidade maior, com idéias e filosofias vagas, e pondo na mente de pessoas simples suas teorias baratas !!!!

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