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Daltonismo espiritual


Hermes C. Fernandes


Os poderes das trevas prometeram ao homem que tão logo comesse do fruto que lhe era vetado por Deus, seus olhos se abririam. Ledo engano. Tal atitude de desobediência acarretou-lhe verdadeira cegueira espiritual. De fato, seus olhos se abriram, mas para a maldade.

Até então, o homem só conhecia o bem. Nada que acontecesse à sua volta era tido por mal. Toda a criação era boa. Ele a enxergava com as lentes do amor de Deus. Mas agora, o mundo lhe parecia tenebroso e assustador. O homem passava a enxergar também o mal. Seu foco saiu da luz para as sombras. Não por ter ocorrido uma mudança na criação à sua volta. A mudança mais significativa aconteceu em seu coração, termo usado pela Bíblia para “consciência”. Com o coração corrompido, a consciência cauterizada, o ser humano passaria a fazer uma leitura dualista da realidade. Se antes tudo era bom, agora, a criação era dividida entre coisas boas e más.

Daí o surgimento desta esfera conhecida como inconsciente. O homem precisaria de um porão para a sua alma, onde pudesse armazenar muitas de suas experiências, principalmente aquelas que ele não gostaria de lembrar.

O afastamento da luz produz sombras, e a sua completa ausência produz trevas.

Foi o contato com os poderes das trevas, representados pela serpente, que o desviou da comunhão com seu Criador, mergulhando-o nas densas trevas da maldade.

Surgia então o dualismo. O “BEM” original fora substituído pelo binômio “bem/mal”. Até os animais passaram a ser classificados entre ‘puros’ e ‘impuros’.As cores vivas da natureza ficaram como que desbotadas, e homem tornou-se espiritualmente daltônico.[1]

Cristo Se entregou em sacrifício na Cruz para reverter isso. Por meio do mais nobre gesto de amor, Cristo desvenda nossos olhos, fazendo com que a criação recupere a sua santidade original. De maneira que Paulo pôde declarar: “Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os corrompidos e descrentes. Antes a sua mente como a sua consciência estão contaminados” (Tt.1:15). O sangue de Cristo tem o poder de purificar nossa consciência (Hb.9:14), e assim, transformar nossa cosmovisão[2]. Passamos a enxergar a criação como ela realmente é: boa.

Alguns crentes primitivos, ignorantes acerca da obra reparadora da Cruz, ainda se submetiam às categorias da Lei, classificando a criação entre aquilo que era santo, e o que era profano, puro e impuro. Paulo diz que tais crentes estavam se apostatando da fé, “dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios, pela hipocrisia de homens que falam mentiras e têm cauterizada a própria consciência, que proíbem casamento (por classificarem o sexo como algo impuro), e ordenam a abstinência de alimentos que Deus criou para os fiéis, e para os que conhecem a verdade, a fim de suarem deles com ações de graças; por que tudo o que Deus criou é BOM, e não há nada que rejeitar” (1 Tm.4:1-4).

A vida recupera seu colorido original quando a enxergamos sob o prisma da Cruz. Não há nada profano, mal, vulgar. Tudo é santo, à medida que serve ao propósito para o qual foi criado. Profanar algo é pervertê-lo, usando-o para o mal, e assim, atribuindo-lhe um significado maligno.
O que torna algo santo é a sua relação com o Criador. Uma vez que todas as coisas que há no céu e na terra foram reconciliadas com Ele por meio de Sua Cruz (Col.1:20), logo, concluímos que tudo é santo. Afinal, “dele e por ele e para ele são todas as coisas” (Rm.11:36). A harmonia entre o Criador e a criação promove a santificação de tudo quanto existe.

Deve ter sido um choque para Pedro, quando o Senhor lhe apareceu em visão, ordenando que ele matasse e comesse animais que eram vetados pela dieta prescrita na Lei Mosaica. Ao esquivar-se da ordem dada pelo Senhor, alegando que jamais havia ingerido coisa imunda, Pedro ouviu do Senhor: “Não faças imundo ao que Deus purificou” (At.10:15). Cristo resgatou a santidade original da criação.

Será que após a Cruz, a carne de porco se tornou menos danosa à saúde humana? Acredito que não. A purificação aqui é de caráter subjetivo, e não objetivo. Como vemos, desde que comeu da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, o homem teve a sua consciência danificada. A partir daí, a realidade passou a dividir-se entre coisas puras e impuras, santas e profanas, espirituais e materiais. Mas na Cruz, todo dualismo se desfaz. Céu e Terra se unem novamente na consciência daqueles cuja consciência fora purificada pelo sangue do Cordeiro. Na verdade, Céu e Terra jamais se separaram objetivamente. Assim como nunca houve, objetivamente, coisas puras e coisas imundas. Tais distinções eram frutos da consciência corrompida pela vaidade. É Paulo quem nos garante: “Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesmo imunda. Mas se alguém a tem por imunda, então para esse é imunda” (Rm.14:14). E mais:“Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os corrompidos e descrentes. Antes a sua mente como a sua consciência estão contaminadas” (Tt.1:15).


[1] Daltonismo - Espécie de cegueira que nos impede de enxergar as cores
[2] Cosmovisão – Maneira como vemos o mundo.

Hermes Fernandes é também culpado do que se faz aqui no Genizah

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  1. O texto é tão rico e tão bem escrito que nenhum comentário se lhe deve acrescentar.
    Só dá pra assinar embaixo mesmo.
    Parabéns!

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