A igreja e sociedade em decadência
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Luis A R Branco
Pompeia foi uma cidade do antigo Império Romano, localizada nas proximidades de Nápoles. O que torna Pompeia interessante em nossa breve análise sobre a decadência moral da igreja e da sociedade atual é o estilo de vida adotados pelos moradores da cidade. O filósofo Francis Schaeffer escreveu que: “À medida que o Império (romano) ficava em ruínas, os decadentes romanos se entregavam a sua sede pela violência e satisfação de seus sentidos. Isso fica especificamente evidente pela sua sexualidade exacerbada. Em Pompeia, por exemplo, aproximadamente um século depois de a República ter se tornado coisa do passado, o culto ao falo era prática comum. Estátuas e pinturas de exagerado conteúdo sexual decoravam as casas dos mais influentes. Nem toda arte de Pompeia era assim, mas as representações sexuais eram desavergonhadamente gritantes.”[1] O Museu Nacional de Arqueologia de Nápoles guarda obras eróticas capazes de envergonhar até mesmo os mais liberais dos nossos dias.
A decadência moral de uma civilização é um dos últimos sinais que evidenciam que todos os demais valores daquela sociedade já foram derrubados. Foi assim com praticamente todas as civilizações históricas e assim continua sendo em nossos dias. Quando a sociedade se entrega desenfreadamente às suas paixões carnais, e a busca pela satisfação dos sentidos, sua queda está próxima. Francis Schaeffer diz mais sobre a Roma antiga: “Roma não caiu devido a alguma força externa, tal como a invasão dos bárbaros. Roma não tinha suficiente base interna; os bárbaros só deram o empurrão final para o colapso – e gradualmente Roma tornou-se ruínas.”[2] A desmoralização de uma sociedade é o sinal de que suas bases estruturais já foram derrubadas e que sua queda completa é apenas uma questão de tempo.
No entanto, a imoralidade de Pompeia e do Império Romano não estavam restritos à sexualidade, mas também envolviam a justiça social. Quanto mais a economia romana decaia, o fardo da inflação e impostos crescia sobre o povo. O trabalho escravo conseguiu cada vez mais força e as liberdades individuais foram cada vez mais enfraquecidas.
decad_nciaÉ curioso observar o fim histórico de Pompeia, a cidade foi destruída durante uma grande erupção do vulcão Vesúvio (79 d.C.), cuja as cinzas cobriram completamente a cidade, que só foi reencontrada em 1748. O fim foi basicamente o mesmo experimentado por Sodoma e Gomorra, narrado em Gênesis 19. E tal como Pompeia e Roma, os pecados de Sodoma e Gomorra iam além do meramente sexual, veja o que escreveu o profeta Ezequiel: “Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado.” (Ez 16:49).
Durante a decadência moral do Império Romano, a princípio a igreja resistiu às tentações com grande bravura, fazendo com que milhares de cristãos fossem mortos das formas mais terríveis e até mesmo passando as suas mortes a serem usadas como espetáculos para entretenimento do povo, e muitas vezes seus corpos em chama foram utilizados como tochas para iluminação públicas das cidades.
No entanto, logo a igreja cedeu aos encantos da ganância e da imoralidade. Com o reconhecimento da igreja como religião oficial do Estado Romano, esta enfraqueceu moralmente diante dos privilégios e favores do estado, e tornou-se o centro da disputa pelo poder político e religioso dos reis e líderes cristãos. Em sua arrogância tornou-se voltada apenas para si mesma, esqueceu-se da santidade e da justiça social e tornou-se intolerante.

img0013No decorrer da história Deus interveio e preservou para si um povo que buscou não se contaminar e através dos séculos podemos identificar vários momentos de despertamento e avivamento na igreja, e a Reforma Protestante foi sem dúvida o mais importante despertamento da igreja desde Atos dos Apóstolos, fazendo com que a igreja voltasse à valores outrora esquecidos e acima de tudo a enfatizar a autoridade das Sagradas Escrituras. Na Reforma vemos alguns elementos de fundamental importância na história, não só da igreja, mas de toda sociedade: [1] Mudanças radicais que afetaram todas as áreas da vida de muitos países europeus, e também na formação de outros países como Estados Unidos da América, Austrália e Nova Zelândia. [2] Efeitos profundos na cosmovisão moderna das leis e práticas políticas dos países reformados. [3] Efeitos significativos na literatura, língua e educação dos países reformados. A língua alemã, por exemplo, teve seu estabelecimento como fruto dos trabalhos de tradução realizados por Martinho Lutero. [4] Efeitos nos campos da ciência, se não fosse a Reforma Protestante, que encorajou e serviu de plataforma de incentivo para novas pesquisas, estaríamos muito atrasados no que diz respeito a ciência, visto que toda pesquisa cientifica anterior a reforma deveria ser aprovada e controlada pela igreja. [5] A Reforma Protestante estabeleceu os direitos e obrigações da consciência individual. Se hoje existe alguma forma chamada “liberdade de expressão e consciência”, ela é resultado do trabalho dos reformadores.
No entanto, mesmo diante de todas as conquistas da Reforma Protestante, tanto a sociedade como a igreja embarcaram num retrocesso social, religioso e político lamentável. A imoralidade sexual, a injustiça social, as aberrações teológicas, os abusos do poder e dos recursos da sociedade e da igreja se aproximam daquilo que foi vivenciado em toda Roma antiga.
protesto_ônibus_porto_alegre_ramiro-furquim_sul21_02Nosso sistema político encontra-se fragilizado e nossa tão querida democracia parece não produzir mais os benefícios esperados em uma sociedade igualitária. E para piorar a situação, os políticos cristãos que se elegem à custas da igreja, numa proposta de redimirem com sua conduta e fé o sistema político, mostram-se tão corrompidos como os demais políticos, e lamentavelmente, em alguns casos até piores. Os escândalos envolvendo políticos vão além da corrupção do poder e financeira, mas até mesmo da imoralidade sexual, basta conferir nos jornais. O sistema social encontra-se num estado deplorável, onde o rico continua cada vez mais rico e o pobre cada vez mais pobre. É impressionante que em pleno o século XXI a escravidão volte a ser tema de preocupação em praticamente todo o mundo.
Desejo concluir este texto com uma breve avaliação sobre a igreja nestes dias de decadência. Nunca vivemos tão aquém do ideal de Deus para a sua igreja, onde substituímos nossa missão de ser luz através da pregação das Escrituras Sagradas, de uma ação prática que demonstra o amor de Deus para com povos do mundo e uma vida santa que se afasta e denuncia toda sorte de pecado moral, social e injustiças contra os mais fracos. A igreja substituiu este ideal de Deus por uma postura megalomaníaca de construção de templos cada vez maiores, de ajuntamento de massas, de shows, de busca por riqueza e bens terrenos e por uma vida cada vez mais luxuosa. Veja o que escreveu o filósofo francês Gilles Lipovetsky sobre a espiritualidade destes dias: “Já nem a religião constitui um contrapoder face ao avanço do poder do consumo-mundo. Ao contrário do que se verificava no passado, a Igreja já não privilegia as noções de pecado mortal, já não exalta o sacrifício ou a renúncia. [...] De uma religião centrada na salvação no Além, o cristianismo passou a ser uma religião ao serviço da felicidade terrena, colocando a ênfase nos valores da solidariedade e do amor, na harmonia, na paz interior, na realização total da pessoa.”[4]
timthumb.phpÉ lamentável que nossos dias tenhamos que presenciar dentro das igrejas ditas evangélicas aqueles pecados duramente combatidos pelo reformadores. A decadência moral atingiu não apenas os crentes comuns, mas a sua liderança, e até mesmo a sua liturgia. Lipovetsky escreveu ainda: “A espiritualidade tornou-se mercado de massas, produto a comercializar, sector a gerir e promover.”[5] O que define a bênção de um culto, nesta espiritualidade doentia, é a presença de figuras de renome e a centralização das necessidades materiais, sociais e emocionais dos indivíduos presentes. Não é incomum os cânticos humanistas que só falam do homem e daquilo que espera como favor divino. Deus deixou de ser o centro do culto cristão e passou a ser um servo ao serviço das realizações dos caprichos dos seus adoradores. As músicas também tomaram uma vertente erotizada, onde a beleza do divino já não é algo a ser apreciado, adorado e temido, mas algo cada vez mais vulgarizado, através das palavras como beijar, abraçar, sentar no colo, tocar a face, entre outras. Numa adoração não só extra-bíblica mais anti-bíblica. Observamos, por exemplo, que quando Isaías viu a glória de Deus, ele a disse que viu o “[...] Senhor assentado sobre um alto e sublime trono [...]” (Is 6:1). Não consigo imaginar Isaías querendo tocar a Deus ou sentar-se no seu colo, ou qualquer coisa semelhante. Sua atitude foi uma atitude de alguém que reconheceu que precisava da misericórdia do Senhor, pois disse: “[...] Ai de mim! Pois estou perdido [...]” (Is 6:5). Já em Apocalipse vemos João, o discípulo do amor, aquele que havia deitado sua cabeça sobre o peito de Jesus (Jo 13:23), agora, ao vê-lo glorificado exclamou: “E eu, quando vi, caí a seus pés como morto [...]” (Ap 1:17). E ainda poderíamos recorrer a todos os Salmos e cânticos do Apocalipse e compará-los com o que se canta hoje, para concluirmos que estamos de fato experimentando a erotização da hinologia cristã. O que observamos na hinologia cristã é o mesmo fenômeno que observamos nas músicas seculares, cada vez mais sensuais. Observe que em Pompeia a arte plástica era a mais expressiva forma de arte daqueles dias, e por isto foi profundamente afetada pela imoralidade, semelhantemente, nos dias atuais, a música é sem dúvida a arte mais expressiva, e por isto tão carregada de sensualidade. O ponto importante a observar é que damos sinais sérios de decadência artística dentro e fora da igreja.
É importante observar também que Jesus nos alertou sobre a gravidade dos últimos dias, veja o que disse: “[...] Quando porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18:8). Os pregadores da fé e da prosperidade, que são justamente aqueles que engordam as custas da igreja, pregam o contrário de Jesus, no entanto a realidade é esta, os últimos dias serão marcados por escassez de fé. O mesmo disse Paulo: “Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; E desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.” (2 Tm 4:3-4). O tempo da escassez da fé genuína e dos ouvidos voltados às fabulas já chegou, veja o que disse Lipovetsky: “Hoje, até a espiritualidade funciona em livre-serviço, na expressão das emoções e dos sentimentos, na procura resultante da preocupação com o melhor-estar pessoal [...]”.[6]
clip_image010_thumb[1]Acredito que se desejamos que algo mude, precisamos nos voltar para Deus com um coração sincero, e dizer como disse Calvino: “Cor meum tibi offero domine prompte et sincere.” (O meu coração te ofereço, ó Senhor, de modo pronto e sincero). É preciso a semelhança dos reformadores restaurar os valores cristãos, e os Cinco Solas (Sola Fide/Somente a Fé; Sola Scriptura/Somente a Escritura; Solus Christus/Somente Cristo; Sola Gratia/Somente a Graça; Soli Deo Glória/Glória Somente a Deus), que são sem dúvida um bom início para a reforma que tanto precisamos hoje na igreja, e da igreja para a sociedade.
Notas:
[1] SCHAEFFER, Francis. Como Viveremos: Uma analise das características de nossa época em busca de soluções para os problemas desta virada de milênio. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003, pág. 17.
[2] Idem, pág. 18.
[3] CAIRNS, Earle E. O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1990, pág. 101.
[4] LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: Ensaio Sobre a Sociedade do Hiperconsumo. Lisboa: Edições 70, pág. 111-112.
[5] Idem, pág. 112.
[6] Ibidem, pág. 113.
Rev. Luis A R Branco colabora com o Genizah
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