O Cristão e o Alcool - O quê a Biblia Diz?
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Rev. Marcelo Lemos
Qualquer leitor das Escrituras sabe que a mesma contém inúmeros conselhos contra bebidas alcoólicas (Levítico 10:9; Números 6:3; Deuteronômio 14:26; 29:6; Juízes 13:4,7,14; I Samuel 1:15; Provérbios 20:1; 31:4,6; Isaías 5:11,22; 24:9; 28:7; 29:9; 56:12; Miquéias 2:11). Os sacerdotes, por exemplo, não podiam beber se estivessem a serviço do Templo, e Isaías fala que a maldição acompanha aqueles que se entregam ao vinho. Em lugar algum veremos as Escrituras tratar deste assunto de modo leviano.
Mas é mentiroso aquele que ensina a bebida alcoólica como coisa proibida por Deus. Infelizmente existem muitos que não apenas desaprovam o consumo de vinho, ou da cerveja, mas colocam isso como uma condição de salvação, ou seja, aqueles que bebem, ainda que moderadamente, não são considerados verdadeiros cristãos. Quem simplesmente desaprova o uso do vinho tem esse direito, mas aquele julga seu irmão é um mero legalista. Legalistas são como os Fariseus, de quem Jesus Cristo disse: “E assim por causa da vossa tradição invalidastes a Palavra de Deus” (S. Mateus 15.6).
A Bíblia é muito clara sobre o modo correto de lidarmos com bebidas fortes, não deixando qualquer espaço para abusos, não há lugar para alcoolismo na Igreja do Senhor: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há devassidão, mas enchei-vos do Espírito” (Efésios 5.18), nem para aqueles que são dominados e não possuem domínio próprio, “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (I Coríntios 6.12).
Dito isto, resta-nos, então, verificar se a Bíblia condena bebidas alcoólicas como sendo pecaminosas em si mesmo. Se eu digo que você precisa dirigir com cuidado, não significa que eu esteja lhe proibindo de andar de carro. Se eu digo que é crime bebe e dirigir, não significa que fosse esteja proibido também de dirigir sóbrio, ou beber sem dirigir. Sabemos que a Bíblia condena os beberrões, mas isso significa que não podemos fazer uso moderado do vinho, ou de uma cerveja? A única forma de descobrirmos isso é perguntando diretamente à fonte: a Palavra de Deus.
O Álcool no Antigo Testamento
Sabemos que vários tipos de alimentos eram oferecidos a Deus conforme exigiam os preceitos cerimoniais da Lei de Deus. Os povos vizinhos a Israel também possuíam seus deuses e seus rituais, mas Israel jamais oferecia ao Deus verdadeiros sacrifícios que fossem pecaminosos, mesmo que fossem populares ente os pagãos. Algumas nações ofereciam crianças, mas Israel era proibido de fazê-lo. Algumas ofereciam sexo ritual, e havia a cultura das prostitutas sagradas, mas em Israel essa prática era tida como abominável. Porque Deus não aceitava qualquer abominação no culto que Lhe era prestado. Isso é muito significativo quando descobrimos que entre os alimentos que Deus exigia que Lhe fossem oferecidos encontramos as bebidas alcoólicas.
“A oferta de libação do mesmo será a quarta parte de um him para um cordeiro; no lugar santo oferecerás a libação de bebida forte ao Senhor” (Números 28.7).
Se por um lado o sacerdote que ia presidir o culto não podia tocar em vinho, ou outra bebida forte, pelo outro ele podia oferecer bebidas alcoólicas ao Senhor. Na verdade, não apenas podia, ele precisava fazer isso, pois Deus exigia. Mas o povo de Deus pode usufruir desta dádiva de Deus, desde que não no culto, e sem embriagues. Sabemos disso com toda certeza, pois tal é afirmado nas Sagradas Escrituras.
“E aquele dinheiro darás por tudo o que desejares, por bois, por ovelhas, por vinho, por bebida forte; e por tudo o que te pedir a tua alma; comerás ali perante o Senhor teu Deus, e te regozijarás, tu e a tua casa” (Dt. 14.26). Eu convido o leitor a olhar para o contexto deste versículo. Aqui Deus está dando orientações para quem estivesse longe do Templo, de modo que lhe fosse impossível devolver o dizimo do Senhor. Que eles deveriam fazer com o dizimo? A ordem de Deus é surpreendente: vende aquilo que você ofertaria, e com o dinheiro, você e sua família alegre-se comprando e consumindo do bom e do melhor, incluindo “vinho” e “bebida forte”. Ora, você provavelmente não verá um pastor legalista ensinando isso em suas Igrejas, mas é a orientação Bíblica dada para os crentes que estavam em viagem. Impressionado? Imagine a fúria de um legalista lendo isso, portanto é aconselhável citar o texto completo, e aí cabe ao contencioso decidir se aceita ou não a autoridade das Escrituras:
“Mas se o teu caminho for tão comprido que não possas levar os dízimos, por estar longe de ti o lugar que o Senhor teu Deus escolher para ali por o seu nome, quando o Senhor teu Deus te tiver abençoado; então, vende-os, ata o dinheiro na tua mão e vai ao lugar que o Senhor teu Deus escolher. E aquele dinheiro darás por tudo o que desejas, por bois, por ovelhas, por vinho, por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; comerás ali perante o Senhor teu Deus, e te regozijarás, tu e a tua casa” (Dt. 14. 24-26).
Esta orientação divina impressiona, de fato, pois aqui Deus, primeiramente, autoriza que o dizimo seja utilizado pelo própria pessoa, caso lhe fosse impossível ofertá-lo no Templo, e depois, impressiona que entre aquilo que os crentes comprariam para alegrar sua alma, encontramos o vinho e as demais bebidas fortes. Na verdade, ficamos impressionados apenas porque o farisaísmo religioso tem se tornado cada vez mais forte no movimento evangelical, e também no pentecostalismo, mas a Bíblia nunca condenou o álcool em si, antes, o apresenta a nós como algo de legitimo uso: “Dai bebida forte ao que está parecer, e o vinho ao que está em amargura de espírito” (Provérbios 31.6).
Outro lugar onde temos um encontro, até muito romântico, com o vinho, é no livro dos Cânticos. Nada surpreende que o amor entre os noivos é comparado, e as vezes descrito, pela alegria do vinho, e tudo isso sob as bençãos do Senhor.
“Beije-me ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o seu amor do que o vinho” (Cântico 1.2). “Leva-me tu; correremos após ti. O rei me introduziu nas suas recâmaras; em ti nos alegraremos e nos regozijaremos; faremos menção do teu amor mais do que o vinho; com razão te amam” (Ct. 1.4) “Quão doce é o teu amor, minha irmã, noiva minha! Quanto melhor é teu amor do que o vinho! E o aroma dos teus unguentos do que toda sorte de especiarias” (Ct. 4.10). “Venho ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, para colher a minha mirra com o meu bálsamo, para comer meu favo com meu mel, e beber o meu vinho com o meu leite. Comei, amigos, bebei abundantemente, ó amados!” (Ct. 5.1). “... e os teus beijos como o bom vinho para o meu amado, que se bebe suavemente, e se escolha pelos lábios e dentes...”(Ct. 7.9). “Eu te levaria e te introduziria na casa de minha mãe, e tu me instruirias; eu te daria a beber vinho aromático, o mosto das minhas romãs...”(Ct. 8.2).
Isso porque o vinho é nos dado por Deus, como todos os outros bens que recebemos; nas palavras do Salmista: “Da tua alta morada rega os montes; a terra se farta do fruto das tuas obras. Fazes crescer erva para os animais, e a verdura para o uso do homem, de sorte que da terra tire o alimento, o vinho que alegra o seu coração, o azeite que faz reluzir o seu rosto, e o pão que fortalece o coração” (Salmo 104. 13-15). Deus, da sua Alta Morada envia a chuva... para o uso do homem, de sorte que da terra tire o alimento, o vinho, o azeite, o pão, a verdura...
Por mais que muitos cristãos hoje vejam com maus olhos aquilo que alegra o corpo, resquícios de gnose travestida de piedade, tanto o vinho quanto a dança são tratados como bençãos do Senhor para o seu povo, como afirma o profeta Jeremias:
“ Ouvi a palavra do Senhor, ó nações, e anunciai-a nas longinquas terras maritimas, e dizei: Aquele que espalhou a Israel o congregará e o guardará, como o pastor ao seu rebanho. Pois o Senhor resgatou a Jacó, e o livrou da mão do que era mais forte do que ele. E virão, e cantarão de júbilo nos altos de Sião, e ficarão radiantes pelos bens do Senhor, pelo trigo, o vinho novo, e o azeite, pelos cordeiros e os bezerros; e a sua vida será como um jardim regado, e nunca mais desfalecerão. Então a virgem se alegrará na dança, como também os mancebos e os velhos juntamente; porque tornarei o seu pranto em gozo, e os consolarei, e lhes darei alegria em lugar de tristeza” (Jeremias 31. 10-13).
Quantos cristãos conhecemos hoje que consideram pecaminosas as mesmas alegrias nas Escrituras tratadas como bençãos de Deus? Infelizmente, tais são abundantes ao nosso redor. Mas o próprio Cristo irá lidar naturalmente com a alegria que tais coisas trazem aos corações dos homens.
O Vinho no Novo Testamento
Seria bom começarmos com João Batista, que foi separado para Deus pelo voto de Narizeu. Por conta disso ele estava sujeito a alguns leis mais restritivas, próprias de seu voto. Dentre os preceitos que ele seguia estava não tocar em bebida alcoólica: “Porque ele será grande diante do Senhor; não beberá vinho, nem bebida forte; e será cheio do Espírito Santo já desde o ventre se sua mãe” (S. Lucas 1.15). Na Bíblia havia narizeus temporários e narizeus perpétuos. Quem fazia os votos apenas por um tempo, durante o tempo de seu voto, também não poderiam beber alcool, nem qualquer produto feito a partir da uva: “Por todos os dias do seu nazireado não comerá de coisa alguma que se faz da uva, desde os caroços até as cascas”(Nm. 6.4). E porque é tão importante começarmos falando sobre um homem que, no Novo Testamento, está proibido de beber? A razão é que Cristo irá comparar a Si mesmo com Batista, e a tese de que o álcool é pecaminoso por si só, cai imediatamente por terra.
“Portanto veio João, não comendo nem bebendo, e dizem: Tem demônio. Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um comilão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores. Entretanto a sabedoria é justificada pelas suas obras” (S. Mateus 11. 18,19).
Os legalistas olham para os cristãos, os que bebem, por mais moderadamente, e zombam: “Beberão! Comilão! Pecador! Carnal”. No entanto, eles ignoram que tal acusação foi lançada no rosto do próprio Cristo, o que faz deles os fariseus de nosso tempo. Pessoalmente, como não me julgo mais santo, e muito menos mais digno que meu Senhor, jamais me incomodo com esse tipo de zombaria. Os grandes heróis da Reforma também não se importariam com tais zombarias, a exemplo do grande reformador Lutero, ou mesmo Calvino; este último, uma parte de seu salário anual lhe era paga em cerveja, e a de Lutero era fabricada em sua própria casa, por sua esposa, a “bela” - como ele a descreve - irmã Catarina.
“Simplesmente ensinei, preguei, escrevi a Palavra de Deus; não fiz mais nada. E então enquanto eu dormia, ou bebia cerveja em Wittenberg a Palavra enfraqueceu tão intensamente o papado que nenhum príncipe ou imperador jamais fez estrago assim. Não fiz nada, a Palavra fez tudo” (Martinho Lutero).
E antes que alguém se apresse em condenar também Calvino e Lutero, vamos voltar no tempo até o dia do primeiro milagre de Jesus, nas Bodas de Canaã.
“Três dias depois, houve um casamento em Caná da Galiléia, e estava ali a mãe de Jesus; e foi também convidado Jesus com seus discípulos para o casamento. E, tendo acabado o vinho, a mãe de Jesus lhe disse: Eles não têm vinho. Respondeu-lhes Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. Disse então sua mãe aos serventes: Fazei tudo quanto ele vos disser.
Ora, estavam ali postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus, e em cada uma cabiam duas ou três metretas. Ordenou-lhe Jesus: Enchei de água essas talhas. E encheram- nas até em cima. Então lhes disse: Tirai agora, e levai ao mestre-sala. E eles o fizeram. Quando o mestre-sala provou a água tornada em vinho, não sabendo donde era, se bem que o sabiam os serventes que tinham tirado a água, chamou o mestre-sala ao noivo e lhe disse: Todo homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho. Assim deu Jesus início aos seus sinais em Caná da Galiléia, e manifestou a sua glória; e os seus discípulos creram nele” (S. João 2. 1-13).
Este foi o único presente de casamento do qual temos notícia ter sido dado por Jesus em seus trinta anos de vida. E que presente: água transformada no melhor vinho! E era muito vinho, algo como 480 litros, aproximadamente! Um bom amigo me trouxe uma garrafa de vinho espanhol, produzido por sua família. Os legalistas vão me condenar pelo vinho espanhol, sendo apenas um litro, mas aquele casal de noivos recebeu do próprio Cristo quase 500 litros do melhor vinho! Um presente e tanto, não? E pode ter sido mais, algumas contas chegam a mais de 700 litros...
O que não quer dizer que o Novo Testamento nos permita abusar das bebidas, pois ele também vai trazer recomendações sobre isso. A regra, como no Antigo Testamento, é a moderação, ou nas palavras inspiradas, “não dado a muito vinho”, como I Timóteo 3.8, falando aos diáconos, e Tito 2.3, falando as mulheres.
Será que a Bíblia se contradiz, ora apresentando as bebidas alcoólicas como fonte de bençãos, ora as apresentando como uma maldição? A resposta a este dilema já foi amplamente demostrada neste texto, mas o texto de Provérbios 23.20 terminará de sepultar os devaneios legalistas: “Não estejais entre os beberrões de vinho, nem entre os comilões de carne”. Comer carne não é pecado, mas ser um glutão certamente é. O mesmo vale para as bebidas, ainda que alguns prefiram proibi-las, e não contentes, ainda se atrevam a julgar seus irmãos em Cristo.
Marcelo Lemos, diácono na Igreja Anglicana Reformada em São Paulo, e colaborador do Genizah.
Marcelo Lemos, diácono na Igreja Anglicana Reformada em São Paulo, e colaborador do Genizah.
Agradeço ao irmão Natan Cerqueira, por nos ter cedido
a foto que ilustra esse artigo. Um verdadeiro
cavalheiro, no sentido mais inglês do termo,
e um bom conhecedor de vinho.
Verdade!
ResponderExcluirNão confunda Nazireu com Narizeu... Kkk
ResponderExcluirNão confunda Nazireu com Narizeu... Kkk
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