Por uma Igreja relevante?
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Rev. Marcelo Lemos
Quando iniciei minha jornada
teológica logo me apaixonei pelo tema da “Igreja relevante”. Explico. Estava
convencido de que a Igreja havia se transformado apenas em uma instituição
religiosa fria, com fama de “vida”, mas sobrecarregada pela morte. Preciso
admitir que isso se deveu, naquele momento, ao contexto de profundo legalismo
no qual eu havia sido doutrinado. No entanto, mesmo quando passei a respirar
novos ares e pude ver a liberdade cristã em ação em diversas comunidades de fé,
ainda assim me parecia faltar a tal da “relevância”. Como uma nação que diz
possuir mais de 30 milhões de “cristão evangélicos”, e uma quantidade ainda
maior de “cristão romanos”, é incapaz de se desenvolver moralmente?
Igrejas cheias, almas vazias.
Este me parecia ser o diagnóstico. Na verdade, ainda me parece. Só que hoje já
não me iludo com promessas milaborantes para a conquista de qualquer “relevância”.
Não creio que a Igreja precise de fórmulas milagreiras, nem de negociatas e
namoricos com o liberalismo teológico e moral, para que volte a ser uma força de
peso e de transformação. Tudo que a Igreja precisa fazer é manter-se fiel aos
fundamentos da Fé Cristã. É de sua fidelidade ao Cristo que nasce a sua relevância,
e de nenhum outro lugar.
Não estou dizendo que a
Igreja não possa se modernizar naquilo que é legítimo. Por exemplo, hoje os
pregadores podem usar microfones e Datashow, mas Spurgeon pregava no “gogó”,
mesmo diante de audiências com mais de 25.000 ouvintes. Se você puder dar uma
olhada nos sermões deste grande heróis do Púlpito – no Projeto Spurgeon, por
exemplo – verá quanto poder havia naquela voz. Já aqui na Comunidade Anglicana
Carisma ainda não dispomos de músicos, de modo que constantemente somos
auxiliados pelo Youtube! Esse são exemplos óbvios de mais? Concordo. Então
vamos adiante: que tal se eu lhes dissesse que a Igreja, legitimamente, pode se
valer da arte e da ciência do Marketing, e também dos princípios da Teoria Geral
da Administração? Com efeito, minha opinião é que a Igreja pode se valer de
qualquer ciência, desde que não comprometa a Fé Cristã no processo. Como
formando em Administração, eu diria que a Igreja não apenas poderia utiliza-la,
como também servir de exemplo para administradores que pretendam uma gestão com
base nos valores da Religião Cristã. Imagine quanto a Igreja, e os cristãos, se
tornariam revevantes, não é mesmo? Então, a única modernidade que devemos
rejeitar é aquela que nos conduz ao erro ou a heresia.
Mas, infelizmente, parece que
estamos rodeados por gente que prefere caminhos supostamente mais fáceis para a
relevancia. É o caso da pregadora americana que aparece no vídeo abaixo. Para
situar o leitor: ela se veste de Stripper
a fim de evangelizar nas ruas de sua cidade! E chegou a comentar em seu perfil no Instagram
que “Quando
estamos nas ruas, nada é motivo de riso ou brincadeira. Eles estão vivendo um
inferno, e a igreja é difícil de ser encontrada. Nós tentamos nos tornar
piedosos. Eu posso entender o fato de você não concordar com esta metodologia,
mas por favor, entenda com todo o respeito. Acredito que Deus viu [a
iniciativa] claramente”.
Acredito que
a moça é sincera em seu desejo por fazer um bom trabalho de evangelismo. No entanto, ela presta um grande deserviço a
causa do Mestre, pois tenta tornar a fé cristã relevante rebaixando o seu padrão.
Imaginem se assumirmos sua metodologia como verdadeira. Não apenas fariamos
como o tolo “pastor” que vive por aí cheirando biblia, como se fosse um “nóia espiritual”(e não duvido nada,
dado o nível precário de discernimento teológico dos nossos dias, que o tal “pastor”
tente espiritualizar até mesmo o termo nóia), mas iriamos mais longe,
tornando-nos também drogados, com intenção de evangelizarmos os que sofrem com
tal problema. Ser solidário com o pecador nada tem a ver com nos tornarmos
participantes de seus atos.
As possibilidades são quase
infinitas. Por exemplo, será que os políticos evangélicos, que além de mamarem
nas tetas do Governo (que são as nossas
tetas, na verdade!) nos diversos níveis de poder, também se entregam a corrupção
para serem relevantes para os ímpios corruptos? Muito nobre! Bem, as variaveis
são inúmeras: poderiamos seguir a mesma lógica em bordeis, bocas de fumo, quadrilhas...
Boas intenções jamais serão o
bastante, a menos que você acredite que os fins são justificados pelos meios. Biblicamente,
porém, o cristão precisa se esforçar para que tanto os fins quanto os meios
sejam realmente piedosos. Achei engraçado a moça do vídeo justificar sua
metodologia alegando que “nós tentamos
nos tornar piedosos”. Mas, o que seria piedade, no conceito da jovem
pregadora? Acho que ela não diz, mas podemos tentar descobrir qual é a sua
definição, e demonstrar o quão falsa é.
O Novo Testamento utiliza as
palavras “piedade, piedoso e piedosamente” umas 40 vezes. Vemos se tratar de um
termo realmente de grande valor para a vida cristã. E o que quer dizer?
Etmologicamente, nos herdamos esse termo do Latim, e possuiu dois significados
principais:
1) Em primeiro lugar, piedade
é “amor e respeito para com as coisas religiosas”, e pode ser tomada pela
propria religiosidade e devoção pessoal;
2) Em segundo lugar, piedade tem
a ver ainda com “pena dos males alheios, compaixão, dó, comiseração” (vide Aurélio).
Me parece razoável supor que
a pregadora “Stripper” quis ficar apenas com a segunda parte da definição, ignorando
completamente a primeira. Fez isso com, aparentemente, a melhor das intenções:
tornar-se revelante com os que sofrem, contudo, no processo acabou mutilando a
Doutrina Cristã, e logo, a verdadeira piedade da nossa Religião. Será que ela
poderia servir essas mesmas pessoas, eficientemente, sem ferir a Fé? Você pode
imaginar como? Fica o ‘gancho’ para a nossa reflexão individual.
Enquanto refletimos, podemos
manter em mente o texto de S. Paulo à Timóteo, onde se lê: “Quero, do mesmo
modo, que as mulheres se ataviem com traje decoroso, com modéstia e sobriedade,
não com tranças, ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos custosos, mas (como convém
a mulheres que fazem profissão de servir a Deus) com boas obras” (I
Tim. 1.2,9). Grifei uma parte do texto por uma boa razão. Onde lemos “servir a
Deus” o que temos, no original, é o termo grego que geralmente se trazuz por “piedade”
em nosso idioma. Observem, pelo contexto, o sentido primário da “piedade” é
estar a serviço de Cristo, agindo de modo modesto e casto. É possível que alguém
diga que a “castidade” da nossa pregadora não pode ser “medida” por suas roupas
que deixam os seios a mostras. É uma boa desculpa, mas não é o que o texto
sagrado diz...
Tomamos o caso dessa moça
apenas para ilustrar quão problemática está a Igreja de nossos dias, mesmo
quando tenta se esforçar por ser uma Igreja que agrege valor a si mesma e a
vida das pessoas. Fica o alerta não apenas para aqueles que acreditam na
metodologia ímpia aqui exposta, mas também para aqueles pastores que almejam
ser fieis ao Evangelho. Boas intenções não bastam. Se desejamos ser, de fato,
revelantes para a nossa geração, precisamos começar pela fidelidade irrestrita aos
princípios que herdamos do Cristo.
Paz e bem!
Rev. Marcelo Lemos, reitor da Comunidade Anglicana Carisma (SP), editor do Olhar Reformado, e colaborador do Genizah. O autor é também membro da Comissão de Doutrina, Disciplina e Culto, da IARBrasil.