Preocupados com a Vida Eterna, os Cristãos Desprezam a Vida na Terra
https://genizah-virtual.blogspot.com/2012/06/preocupados-com-vida-eterna-os-cristaos.html
Carlos Moreira
Acho curioso como, tão escandalosamente, a religião se contrapõe à proposta de Jesus. Enquanto o Evangelho se propõe a pacificar o coração dos homens, a religião promove o seu distanciamento; um sugere a transformação da consciência, a outra uma mudança comportamental; um trata do perdão dos pecados, a outra da realização de obras meritórias; um chama as pessoas a reconciliação com o Criador, a outra tenta convencer o Criador a aceitar as criaturas.
Não é a toa que muitos filósofos e
pensadores, olhando para a história da civilização humana, mantiveram diante da
religião um olhar crítico, cético e por vezes, cínico. Heinrich Heine, escritor
e poeta alemão, num tom sarcástico, afirmou certa vez: “bem-vinda seja uma
religião que derrama no amargo cálice da sofredora espécie humana algumas
doces, soníferas gotas de ópio espiritual...” Marx, pai do socialismo
científico, não economizou “tinta”, e vociferou à seu tempo: “a religião é o
suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração. É o ópio do
povo”. Hegel, um dos mais respeitados filósofos, pai do idealismo absoluto,
apesar de ter estudado no seminário protestante de Württemberg, era outro que
via a religião como alienação da essência humana.
Friedrich Engels, um dos criadores da
teoria do materialismo histórico e dialético, no século XIX, fez uma avaliação
bastante lúcida sobre a religião cristã ao longo do tempo. Ele afirmava que,
primeiramente, a cristandade foi uma religião dos pobres, dos desterrados, dos
condenados e oprimidos. Todavia, não demorou muito para, no século III, se
estabelecer como ideologia estatal do Império Romano. Em seguida, já na idade
média, alinhou-se perfeitamente com a hierarquia feudal européia e, logo depois,
a partir da revolução industrial, já na modernidade, amalgamou-se a sociedade
burguesa.
Eu penso que uma das coisas mais
imprescindíveis nestes tempos difíceis que vivemos é manter um olhar analítico
e crítico a respeito de nossa própria história. Nosso objetivo deve ser
repensar que papel nos cabe no mundo que vivemos, na sociedade na qual estamos
inseridos, com vistas a materializarmos, com ações concretas, as propostas que
possam vir a ressignificar o que afirmamos ser a fé em Jesus Cristo.
Contudo e, tristemente, o que tenho visto,
cada vez mais, é o entorpecimento, a alienação, a “massa manipulada”, a
“teologia” do comodismo que sacrifica sobre o altar da conveniência, a
substituição da singularidade da unidade pela burrificação da unanimidade. Vejo
os cristãos preocupados com a vida eterna, “labutando” em busca de garantir o
futuro, sonhando com o galardão prometido, enquanto a humanidade se esvazia por
completo de qualquer possibilidade de encontrar na existência significados, e a
Terra agoniza pela exploração de seus recursos cada vez mais escassos.
Olho as igrejas lotadas de gente, não raro,
vazia, egoísta, vivendo uma espiritualidade adoecida, que olha para si mesmo,
mas não é capaz de perceber o próximo. Os cristãos estão enredados com
movimentos, programas, seminários, shows, cultos, atividades que são
justificadas pela velha máxima: evangelizar os perdidos! Você dificilmente
encontrará essa gente em passeatas que reivindiquem questões sociais
importantes, ou engajadas em ONG´s e outras organizações que lutem por direitos
dos menos favorecidos, ou participando de projetos que viabilizem o
desenvolvimento sustentável do planeta. Não, o “negócio” dos “crentes” é buscar
o sobrenatural! Deixa que o natural se acabe, se desmantele, se extinga...
Eu cresci ouvindo chavões do tipo: “crente
não se envolve com política”; “a Terra está sendo “entesourada” para o fogo
eterno”; “temos de cuidar dos da família da fé”. Por isso os políticos
evangélicos são os mais corruptos do Congresso Nacional, a Terra está sofrendo
com "dores de parto", levada a superar todos os seus limites, e os que não fazem
parte de nossa “confraria” agonizam pelas ruas, nas cracolândias da vida, nas
sarjetas da existência, nos hospitais, nos presídios, nas favelas. Só de pensar tenho calafrios... " Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos; Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber; Sendo estrangeiro, não me recolhestes; estando nu, não me vestistes; e enfermo, e na prisão, não me visitastes". Mt. 25:41-43
Nossa religião é “espiritualidade” de
ocasião, com choro de encenação e contrição de momento. Tiago, em sua epístola,
escrevendo para os judeus da dispersão, gente ainda impregnada pela “religião
de Israel”, afirmou que essa religiosidade calcada sobre a fé, mas que não possui
boas obras, para nada aproveita. Parafraseando o apóstolo, poderia perguntar:
“mostra-me onde estais, com a tua fé, e eu, com o meu engajamento em questões
prementes da humanidade, te mostrarei a minha!”.
Gramsci, filósofo e cientista político
italiano do século XIX, analisando na sociedade contemporânea a cultura
religiosa, concluiu que ela é “a utopia mais gigante, a mais metafísica que a
história jamais conheceu, desde que é a tentativa mais grandiosa de
reconciliar, em forma mitológica, as reais contradições da vida histórica”. Em
outras palavras, a religião é artigo de luxo, serve apenas para “anestesiar a
alma”, mas tem pouca ou nenhuma utilidade para o espírito dos homens.
Enquanto a “igreja” continuar alienada
entre quatro paredes, embevecida com suas próprias obras, pensando na vida no
além, o mundo padecerá com “cólicas” sociais, milhões morrerão de fome, de
frio, de sede, de maus tratos, gente que não poderá ser “evangelizada” porque
estará enterrada numa cova rasa! Sim, enquanto ficamos apenas “orando” e
“louvando” ao “senhor”, os rios estão sendo poluídos, as matas devastadas, o ar
contaminado, os animais extintos, a camada de ozônio destruída. “Aleluia
irmãos!”...
Com a ajuda que estamos dando ao “diabo”,
ele nem precisa se ocupar em fazer o que Jesus afirmou: “matar, roubar e
destruir”. Pode tirar férias e ir para Boca Raton! Minha oração nestes dias é
ver menos gente “entulhada” dentro da “igreja”, ou seja, aqueles que não fazem nada, não tem compromisso com nada, e mais gente em sindicatos,
OSCIP´s, organizações de direitos humanos, gente que se interesse pelo que seu
candidato evangélico está fazendo, gente que vá as ruas, que proteste contra
tudo o que ferir a dignidade humana, que seja “Elias” em nosso tempo, profetas
que denunciem a injustiça e a maldade, e não aspirantes de feiticeiros,
adivinhando o futuro dos outros.
Se eu creio na vida eterna? Claro que sim! Se eu a espero? De todo o coração! Se estou na expectativa da volta de Jesus? Oxalá fosse hoje! Mas até que tudo isso se torne realidade para mim, tenho muito o que fazer aqui na Terra pois, parafraseando Paulo, ainda não completei a carreira para poder guardar a fé e receber a minha coroa, a qual o Justo Juiz me dará naquele dia! Sim, afirmo com toda autoridade: quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz a Igreja!
Se eu creio na vida eterna? Claro que sim! Se eu a espero? De todo o coração! Se estou na expectativa da volta de Jesus? Oxalá fosse hoje! Mas até que tudo isso se torne realidade para mim, tenho muito o que fazer aqui na Terra pois, parafraseando Paulo, ainda não completei a carreira para poder guardar a fé e receber a minha coroa, a qual o Justo Juiz me dará naquele dia! Sim, afirmo com toda autoridade: quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz a Igreja!
Carlos Moreira é culpado por tudo o que escreve. Ele é editor assistente do Genizah e posta também na Nova Cristandade
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