MÚSICA DE RAIZ por @omarcosalmeida do @palavrantiga
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Marcos Almeida
Vou falar sobre a diferença entre “raiz cristã” e “raiz brasileira”.
Dois pressupostos plantados na nossa cultura musical contemporânea –
verdadeiro campo sem fim.
Até antes do sítio Nossa Brasilidade ser aberto ao público e
todo o conteúdo dele começar a ser levado a sério por alguns leitores
mais desocupados, nas ruas e nos templos era assim que os cristãos e
artistas brasileiros pensavam seu ofício, aqueles que assumiram uma
posição de resistência diante do polêmico movimento gospel
principalmente: Que beleza, por que a gente não faz uma arte cristã com
raízes brasileiras? É hora de valorizar nossa terra! Vamos ficar
importando fórmulas estéticas até quando? Esse imperialismo americano,
inglês, australiano, anglo-saxônico, qual for, não pode dominar nossa
arte! Vamos fazer um novo cântico que se aproprie dos ritmos nacionais!
Uma hinologia com a cara do Brasil. Esse é um movimento forte
representado por nomes como Gerson Borges, Stenio Marcius (inigualável) e
Gladir Cabral (poeta de grande calibre). A ideia de brasilidade era
construída assim: o Brasil está aqui, a música cristã deste lado –
importando fórmulas do mundo de lá, para acinzentar os cultos daqui –
então vamos fechar o cerco, pegar o conteúdo evangélico e dar a ele
forma e colorido nacional. Isso mesmo: uma música de adoração com raízes
brasileiras. Brasil é a síncope, o lundú, o frevo, o samba, o forró e
claro a bossa nova! Como meus amigos amam a bossa nova. Como os
reformados, não carismáticos, amam João Gilberto e toda a construção
identitária erguida sobre sua batida! Brasil está ali, o cristianismo
cá, deixa eu pegar o Brasil e erguer uma adoração tupiniquim.
Ei! Sem guitarras, por favor! Gritam os mais puristas,
pré-tropicalistas cristãos – esses que, se estivessem vivos à época,
marchariam também contra a guitarra elétrica juntos com Gilberto Gil,
Edu Lobo, Jair Rodrigues e Elis Regina, em 1967. Acreditem, ainda hoje,
neste movimento que pensa a música de adoração com raízes brazucas, tem
gente perguntando qual a brasilidade de uma guitarra Fender. Não me
refiro aos mestres citados acima – dois deles conheço mais de perto e
sei que não pensam assim. Isso é só um anacrônico parênteses…
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Sérvulo Esmeraldo / Duas Árvores 1954 |
Pobres leitores que me aturam, tive a sorte de perceber uma
controvérsia nisso tudo: se existe de fato uma música brasileira de
adoração essa é a pentecostal e não existe outra! O que os meus amigos
fazem é reutilizar estéticas já construídas pelo nosso
povo sem que isso signifique em novo ritmo, novo gênero. Continua a se
pensar em MPB, só que santificada e intelectualizada; o mesmo faz alguns
ramos nacionalistas do gospel (sem a riqueza intelectual dos
reformados, dizem os mais críticos), muda no fim das contas a grife e a
poética, mas o projeto é o mesmo. Se alguém criou uma música evangélica
brasileira, precisamos dizer quem foi: os pentecostais. Digo outra vez e
ainda terei oportunidade para ir mais fundo, mas me interessa agora
apenas isso: apontar para uma controvérsia e respeitosamente deixar
opinião sobre tal quiproquó.
Aquele entediante debate; gospel, não gospel, secular e sagrado, anda
desgastado e cheio de lero-lero. Pastores famosos – a princípio
extremamente envolvidos com a música gospel – não aguentam mais os
shows com artistas dessa sigla. Renomados senhores da grife, cantores de
grandes platéias, improvisam entre a solidão estrelar e a execução
secreta de fêmeas no cio, aumentando a população de filhos bastardos por
onde passam – machões da adoração. Maracutaia, falcatrua, perseguição,
coronelismo religioso, misticismo e barulho, muito barulho abafado pela “fraqueza”
da nossa religião: o perdão e a segunda chance. Isso faz dos que
transitam neste mercado, homens céticos, embora complacentes,
pragmáticos e sem poesia; pois já há muito tempo não vêm mais a pureza e
a simplicidade de uma gente honesta que faz uma arte real. Isso faz, de
outros, grandes adversários de tudo que se chama gospel, pois não
acreditam que possa existir nesse movimento alguém que sobreviva como
não deve ter em Brasília alguém que leve a sério a política… Não é a
toa que vemos a arte desses adversários fincados numa vontade de
revidar, de expor a doença do outro, de atacar, de mostrar como se é
mais santo e mais tolo.
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Fernando Lucchesi / Série Árvore da Vida - 1992 |
Por isso parei de pensar com essas categorias ( gospel, secular ou
adoração com raízes brasileiras) para enfim pagar o preço de ser livre.
Mas tem sido prazeroso! Uma aventura na velocidade do vento que Ele
mesmo sopra. Não sou ingênuo para desdenhar a necessidade dos nomes,
dos batismos; toda distinção merece uma palavra. É bem verdade: a
proposta desse ensaio desengonçado carece de melhores verbos e
adjetivos, mas a sintaxe taí. Estou falando de uma música brasileira de
raízes cristãs. Isso é diferente de uma música cristã de raízes
brasileiras. Estou falando de uma música de rua, de rádio, de boteco, de
palco, de teatro, uma música de cinema e novela, música do povo, feita
por ele, por isso brasileira. Uma arte tecida na Esperança. No viver
real e diário de gente que conhece o Deus que intervém – que canta essa
vida, do jeito que ela é; milagre, absurdo, dor e gozo.
Quem vai fazer essa música? Que brasilidade existe no viver cristão?
Que viagem é essa? Ainda toco nesse assunto. Por enquanto faço apenas
uma distinção; reconhecendo a nossa raiz.
Marcos Almeira é integrante da banda Palavrantiga e escreve do Nossa Brasilidade
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