Gente "Tarja Preta"
https://genizah-virtual.blogspot.com/2012/04/gente-tarja-preta.html
Carlos Moreira
A “novela” de Jó, descrita nas Escrituras, é maravilhosa e assustadora. De forma inusitada, ela vai de um extremo ao outro da existência. Em um “frame”, Jó é homem reto, temente a Deus, inculpe e bem sucedido. No outro, todavia, sua vida se catastrofisa: seus filhos morrem, seus bens são destruídos, sua mulher o deixa e seus amigos se revelam tiranos.
Tanta desgraça assim não há quem possa
suportar, nem mesmo Jó! Como era de se
esperar, sua alma somatiza suas perdas e danos e derrama sobre seu corpo, quais
larvas de um vulcão, toda a dor e incompreensão que lhe afligem em forma de
úlceras e tumores que vão da planta dos pés até a cabeça. Como bem citou
Shakespeare: “chorar sobre as desgraças passadas é a maneira mais segura de
atrair outras”.
E foi assim que Jó, no auge de seu
desespero, desencaixado do seu “centro gravitacional”, desencontrado de sua
alma, vasculhou nos escombros de seu íntimo uma nesga de racionalidade e suspirou:
“... aquilo que temo me sobrevém, e o que receio me acontece”. Jó 3:25. De
fato, sem qualquer explicação lógica ou motivo aparente – como não raro
acontece debaixo do sol – Jó havia se transformado num para-raios às avessas,
capaz de atrair para si toda negatividade e desgraça que pairasse sobre nuvens
escuras em dias sombrios.
Observado por esse prisma, ele passa a ser arquetípico,
uma representação da materialização da desgraça, do desespero, da angústia, do
medo, da negatividade humana e de tudo que se instala no ser para esculpir o
mal. Resta a Jó apenas, como humano que é, entregar-se ao pessimismo, sucumbir
à depressão, abraçar a ansiedade, cercar-se de racionalizações na busca insana
e inumana de explicações, de culpados, de justiça!
E é aqui que eu entro, qual um “Quixote”
andante, para descrever-te uma coisa que a vida tem me ensinado: tem muito
“João” por aí que deveria ser apenas João, mas, na verdade, não passa de um Jó disfarçado de “João”. E aqui me refiro a Jó não apenas como modelo de fé e resignação, mas na inteireza de quem ele é, desvelado o seu "dark side", pois todo ser é a soma do bem e do mal que nele habita e, neste sentido, não há personagem bíblico tão de "carne e osso" quanto Jó.
Vendo os fatos desta perspectiva, é fácil fazer correlações e perceber que tem gente que faz mal, ainda que este não seja necessariamente o caso de Jó. Sim, há pessoas que são capazes de fazer o sol se por, a brisa cessar, o riso parar, a paz sumir. É gente densa, amarga, cinzenta, que tornou-se uma espécie de “buraco negro”, atraindo para si tudo de ruim que gravita ao redor, pois nem mesmo a luz pode deles escapar. Gente assim é “tarja preta”, deve ser evitada, pois os danos que pode causar vão para bem além do que se possa imaginar...
Vendo os fatos desta perspectiva, é fácil fazer correlações e perceber que tem gente que faz mal, ainda que este não seja necessariamente o caso de Jó. Sim, há pessoas que são capazes de fazer o sol se por, a brisa cessar, o riso parar, a paz sumir. É gente densa, amarga, cinzenta, que tornou-se uma espécie de “buraco negro”, atraindo para si tudo de ruim que gravita ao redor, pois nem mesmo a luz pode deles escapar. Gente assim é “tarja preta”, deve ser evitada, pois os danos que pode causar vão para bem além do que se possa imaginar...
Tenho visto, de forma recorrente, que tais pessoas
são capazes de destruir tudo o que encontram pelo caminho, sobretudo pessoas, e
fazem isso roubando-lhes o sono, os sonhos, o prazer, a alegria de ser, de ir,
de vir e de viver. Triste, entretanto, é saber que, na maioria dos casos, isso
não lhes dá prazer, antes, pelo contrário, serve apenas para soterrá-las em si
mesmas ainda mais.
Quando a alma chega neste estágio, os
“apetites” normais da vida acabam lhe fugindo. Em seu lugar, entretanto, surge
uma “fome” insaciável de tristeza, de pessimismo, de melancolia, pois a pessoa
acaba se viciando em “devorar” aquilo que lhe mata, traga a miséria com
satisfação e bebe do cálice da amargura com prazer.
Se há cura para isso? Há sim, mas, para
tal, “João” terá de percorrer o mesmo caminho existencial que percorreu o seu
amigo Jó. E qual é esse caminho? Bem, como ele mesmo afirmou: “meus ouvidos já
tinham ouvido a Teu respeito, mas agora os meus olhos Te viram. Por isso
menosprezo a mim mesmo e me arrependo no pó e na cinza". Jó 42:5-6” .
O caminho que refaz o ser para a vida, que
ressignifica os dias e que dá cor a flor e sabor ao pão é a experimentação da Graça
como verdade capaz de curar a alma de todos os seus males, pois só assim é possível
saber que, mesmo em meio à perda e a dor, há sempre um significado maior para o
que nos acomete, uma vez que absolutamente tudo conspira para o bem dos que
amam a Deus! Foi assim com Jó e será assim com todo e qualquer "João".
É por isso que vos afirmo que toda cura
passa, irremediavelmente, pela experimentação da Verdade como caminho
caminhado, e não como teoria, doutrina ou ensinamento! Os olhos precisam ver a
Graça, pois ouvir apenas não basta, e isto a partir de uma nova consciência. Quem
assim o fizer, será capaz de aprender a degustar, no banquete da vida, tudo o
que lhe for servido como dádiva do amor, pois só desta forma é possível brotar
a pacificação que produz paz e bem ao ser.
Carlos Moreira é coeditor do Genizah
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