Jesus me deixa doidão; ou, Parabéns Genizah!

Por Marcelo Lemos

Josep Rosselo, o bispo anglicano que saiu da Espanha para se casar uma brasileira, declarou amor ao Brasil, adora café, e deseja alcançar 160 milhões de brasileiros para Cristo, é um homem assombrado com o Brasil - especialmente com a [falta de] qualidade da Igreja Brasileira. Recentemente declarou: “Estou escandalizado com o pouco conhecimento bíblico existente entre os “crentes” no Brasil... Estou cansado de falar com pessoas que tem muitos anos de cristãos, e nem conhecem coisas que eu aprendi nos meus primeiros três meses como cristão”.

Há um folheto evangelístico que diz: “Ele [Jesus] veio tirar os seus pecados, não a sua inteligência”. Quanto penso que o Genizah está completando dois anos de vida sou tentado a pensar no que este trabalho realmente representa. Acredito, honestamente, que simboliza o desejo cada vez maior por um cristianismo mais bíblico, mais saudável, mais parecido com Cristo. Quem sabe, a semente de um avivamento. Os números do Genizah parecem me dizer isso. Não deixa de ser reconfortante, especialmente quando vemos falsas versões do cristianismo prosperarem cada vez mais.

Pois se Cristo não veio tirar nossa inteligência, os mercadores da fé e outros similares estão aí justamente para isso. E eles tem feito um bom trabalho.

Este fim de semana, por exemplo, estive a contra gosto em uma grande comunidade neopentecostal em Belo Horizonte, e pude ver, mais uma vez, o poder de idiotização atuando naquilo que se pretende Fé Cristã e Avivamento.

Estive ali recepcionando um primo adolescente da minha esposa que fora participar de um “retiro espiritual” promovido pela referida comunidade. Como a mãe do garoto não pode comparecer sobrou pra nós... Tudo muito festivo, com muitos balões, danças, gritos de guerra e muito Rock in rol, incluindo uma versão gospel dos ‘Mamonas Assassinas’: “Lá, trá-lá-lá-lá-lá / Trá-lá-lá-lá,lá / Jesus me deixa doidão!”.

Não deixou de ser emocionante ouvir tantos jovens gritando “Jesus”, “Santidade”, e coisas assim.

Todavia, as emoções nunca devem usurpar a nossa capacidade de julgamento, e é justamente aí que as coisas se tornam mais claras. No entanto, sei que basta insinuar a necessidade de “julgar os espíritos” para que uma onda de irracionalidade nos atinja bem no peito. “Não julgueis!”; “Vá se converter!”; “Crente frio!”, “Fariseu duma figa!”; “Esqueça Paulo, ouça Jesus!”; “Abandone a religiosidade!”. Ninguém sabe mais sobre tais acusações que o nosso aniversariante, o Genizah. São acusações sofridas por todos aqueles que se comprometeram em pregar e viver a simplicidade do Evangelho de Cristo. Estamos aqui porque não temos medo de dar a cara para bater, nem tememos os feiticeiros evangélicos a nos lançarem maldições.

Prossigamos a narrativa. Em determinado momento da recepção dada aos chamados “encontristas” houve um momento para testemunho: tudo muito bonito. Famílias restauradas, jovens santificados, pessoas e mais pessoas sorrindo, pulando, e dizendo a todos que haviam estado “face a face com Deus”.

Foi impressionante... até que acabou o evento, e tivemos a oportunidade de conversar com alguns jovens que participaram do festejado retiro espiritual.

Ali, no ‘frente a frente’, o que encontramos foi pessoas contando que fizeram horas e horas de jejum todos os dias, incluindo uma “lei de silêncio”, na qual eram obrigados a fazer jejum de palavras. Um jovem contou que os líderes os forçaram a ouvir uma única música, e cantarem apenas ela, de modo que ele não conseguia pensar em outra coisa mesmo na hora de tomar banho ou dormir. O que contavam sobre a oração também era interessante. Horas a fio orando, de joelhos, a ponto de um jovem declarar, com a maior naturalidade, que apenas podia dizer “abençoa, Espírito Santo, abençoa”, pois era incapaz de pensar em qualquer pedido que não tivesse já feito!

Não pude deixar de rir, e muito, quando o primo da minha esposa contou que apesar de ter ficado exausto durante o retiro, havia encontrado forças nas palavras de uma líder: “Pessoal, não estamos tentando fazer lavagem cerebral em vocês, apenas queremos que vocês tenham um encontro face a face com Deus!”. Sinceramente admirado com o que viu e sentiu, o primo me olha nos olhos e diz: “Foi incrível!”.

Incrível. Também não consigo pensar em outra palavra. Apesar de ter motivos diferentes para usá-la aqui. “Estou escandalizado com o pouco conhecimento bíblico existente entre os “crentes” no Brasil!”. Somos ou não forçados a compartilhar do mesmo assombro do bispo espanhol citado na introdução? O que essa gente sabe sobre Cristo, Redenção, Expiação, Encarnação, ou sobre a Graça? O que essa multidão sabe sobre Espírito Santo, Dons e Vida Espiritual? Nada sabem, e o que pensam saber é falso, distorcido, mutilado. No entanto, a multidão sente-se satisfeita, embebida nas mais fortes e psicodélicas emoções. Verdadeira overdose de narcóticos espirituais.

“Lá, trá-lá-lá-lá-lá / Trá-lá-lá-lá,lá/ Jesus me deixa doidão!”.

Já recebi algumas criticas por fazer parte da equipe do Genizah. As mais sérias merecem tratamento a parte, e as respeito profundamente. No entanto, a grande maioria procede daqueles que nos veem contra Cristo, já que não nos submetemos à megalomania e aos sectarismos de seus líderes. Tem-nos por inimigos, já que não confundimos Vida Espiritual com misticismo, emocionalismo e efeitos psicológicos produzidos em ‘laboratório’. Recusamo-nos a existir no conforto da Matrix. O “mundo real” é árido, com excesso de cinza, mas é aqui, na poeirenta e pobre Belém, que o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

Este fim de semana foi bom. O que vi e ouvi me fez ver, uma vez mais, que o Genizah não é apenas um exercício intelectual, mas um ministério. Um ministério absolutamente necessário, apesar das críticas, e apesar das nossas falhas. Um ministério que está completando 2 (dois) anos de vida, e com a Graça de Deus conquistará muito mais. Um ministério que não se pretende acadêmico, mas que sem abrir mão da boa Teologia, deseja impactar cada leitor, transformando-o num mensageiro da simplicidade do Evangelho.

Se você, assim como o Genizah, Rosselo e uma legião incrível de anônimos espalhada por todo nosso País, almeja um Brasil realmente cristão, comprometido com a Mensagem da Cruz e livre dessa religiosidade vazia que hoje impera, venha fazer parte desta santa subversão.

Marcelo Lemos, do Olhar Reformado, parabenizando o Genizah.