Medos de Quem tem Medo
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A capa da revista Veja deste último final de semana estampou a notícia: “O Dia em que o Brasil Começou a Vencer o Crime”. Com uma ação coordenada entre as Polícias Militar, Civil, Federal, o Grupo de Operações Especiais – BOPE, Tropas do Exército, e tudo isto suportado por centenas de viaturas, helicópteros, blindados, tanques de guerra dos Fuzileiros Navais, os traficantes do Rio de Janeiro sofreram, talvez, o seu mais duro golpe em décadas.
Além da ação na favela Cruzeiro e no Complexo do Alemão, outras intervenções externas eram realizadas simultaneamente, como a transferência de chefões do tráfico para outros estados, a prisão de familiares dos traficantes, o bloqueio de bens, a decretação da prisão de advogados, uma ação de inteligência e ousadia do Governo do Estado e da Prefeitura que parece ter atingido, pelo menos até agora, resultados satisfatórios. Mesmo depois de termos assistido a série de barbáries proporcionadas pelos contraventores, com carros e ônibus incendiados, piquetes em avenidas, tiros disparados contra policiais, correria, comércio fechado, escolas inoperantes, parece que o saldo final foi positivo, pois as favelas estão controladas pelas forças de segurança e os bandidos presos.
Este não é um fato isolado. A verdade é que no mundo pós-moderno, cada vez mais, vivemos com medo. Criei interesse pelo tema e fui estudá-lo. Na minha análise, observei que existem determinados tipos de medos que são universais e atemporais. Rosemeire Zago, psicóloga clínica com abordagem jungiana, afirma que “o medo é uma reação protetora e saudável do ser humano e que ele se manifesta sempre que há uma ameaça à vida”. Este é o medo, digamos, saudável. Mas também existe o medo danoso, aquele que marca as pessoas e gera seqüelas na existência e que nasce quase sempre das experiências negativas e ameaçadoras que nós experimentamos.
Fato é que o nosso inconsciente não consegue diferenciar a fantasia da realidade, nem mesmo o passado do presente. Por isso muitos de nossos temores estão associados a coisas que vivenciamos e que nós, muitas vezes, não sabemos nem mesmo de onde vêm. Em muitos casos, esse tipo de medo surge, além dos perigos iminentes e reais, de certas associações que fizemos ao longo da vida.
Medo mata! Aliás, não somente ele, mas a ansiedade, que é a versão civilizada do medo, também pode matar. É por isso que os psicólogos dizem que o medo é o câncer da alma. E pior: quanto mais o negamos, mais poderoso ele se torna em nós. O medo é angustiante, apavorante, e, em algumas situações, paralisante. A vida pode ser comprometida por causa do medo. As dificuldades vão desde problemas relacionais, passam pelo comprometimento no exercício de atividades profissionais, e podem até mesmo chegar a gerar problemas físicos, as chamadas doenças psicossomáticas. Os casos mais agudos dão origem as síndromes do pânico, essa muito associada a tensões e temores do mundo contemporâneo.
Você tem medo? E tem medo do que? Ora, de tanto aconselhar pessoas, de ouvi-las em suas dores e dramas, acabei constatando que existe um conjunto de “medos genéricos”, sensações e sentimentos que são comuns as pessoas. Usando o Salmo 91 como pano de fundo para esta análise, uma vez que é um Salmo escrito durante um período de guerra, ou seja, numa situação onde surgem todos os tipos de medos, vamos tentar identificar, através da análise hermenêutica contextualizada, quais são estes medos presentes na vida das pessoas.
O primeiro medo é o medo da morte – Sl. 91:6 “Não te assustará... a mortandade que assola ao meio-dia”. Segundo Elizabeth Kubler Ross, nós vivemos numa cultura de negação da morte, por isso evitamos hospitais, funerais, doentes terminais, e tudo que nos remeta ao fim da existência. O fato é que este medo da morte está muito associado às incertezas que existem sobre o além. Samuel Johnson escreveu “não importa como uma pessoa morre, mas sim como ela vive”. E Paulo afirma, “completei a carreira e guardei a fé!”. Gosto muito da forma como Leonardo Boff fala da morte. Ele afirma que nós não estamos rumando para o fim, mas avançando para o começo, pois nossa vida foi predestinada para aquilo que ainda está adiante. Neste momento, estamos indo de encontro ao nosso nascimento, e isto com vistas a realizarmos aquilo que Deus planejou, portanto, somos o agora e o ainda-não!
O segundo medo é o que falamos no começo, o medo da violência. Sl. 91:7 “caiam mil ao teu lado, e dez mil, à tua direita; tu não serás atingido”. A vida humana perdeu o valor e o significado. Mata-se uma pessoa por questões banais, por uma discussão no trânsito, por um tênis, pela inveja, pelo poder, pela ganância. Com 20 ou 30 reais você pode extinguir a vida de uma pessoa. Este medo da violência nos trancafiou dentro de nossas casas. Temos medo de qualquer pessoa que tenta se aproximar de nós, nem mesmo com os vizinhos queremos relacionamento. Nossas “trocas” agora são virtuais, pois imaginamos estar protegidos atrás do computador. Ledo engano. Centenas de crimes são cometidos pela internet, desde os financeiros, até seqüestros, com pessoas seduzidas em sites de relacionamento.
O terceiro medo é o medo do futuro. Sl. 91:10 “nenhum mal te sucederá, praga nenhuma chegará à tua tenda”. A música popular diz: “como será o amanhã, responda quem puder, o que irá me acontecer...”. Nós vivemos num mundo onde, economicamente, os recursos são cada vez mais escassos. O capitalismo produziu um estilo de vida sufocante, onde as pessoas têm de sobreviver a qualquer custo e, para tal, vale tudo: passar por cima de regras, da ética, dos valores absolutos, pois o que vale é a negociata, o conluio, o suborno, uma vez que, no final, vencerá aquele que for mais “esperto”. É nesta perspectiva que o existencialismo de Sartre afirma que “o inferno é o outro”. Sim, o outro quer tomar o meu lugar, roubar a minha mulher, ocupar o meu cargo, morar na minha casa, desfrutar daquilo que deveria ser meu. É daí que surgem os transtornos de ansiedade, as doenças psicossomáticas, as demandas por diazepínicos, muletas existenciais que utilizamos para ter condições de tomar o transporte e encarar a rotina da vida. Disse Mário da Silva Brito “quem muito pensa no futuro, perde o presente”.
O quarto medo é o medo do fracasso. Sl. 91:11 “porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos”. Existimos na sociedade dos campeões. Você tem de chegar ao topo, tem de ser o melhor, o mais bonito, o mais bem sucedido, o que mora no melhor bairro, no melhor apartamento, que trabalha na melhor empresa, que tem os filhos no melhor colégio. Ai de quem fracassar! Ai do empresário que falir! Ai da mulher de meia idade, cheia de dores e de filhos, que foi abandonada pelo marido! Ai daquele que foi surpreendido em pecado, pois a “plebe” urge e grita “crucifica-o!”. Ai do homem de meia idade que não se recoloca mais no mercado, ai da mulher que não conseguiu casar, ai daquele que sucumbiu a depressão, ou que foi atingido por um câncer. As pessoas têm medo de perder, de cair, de beijar a lona. Judith Vriost afirma em seu livro “Perdas Necessárias” que nós só cresceremos quando aprendermos a perder, por isso, dê significado as suas derrotas, encontre lições em seus fracassos, tire da dor princípios para a vida, e da amargura valores para o ser. Diz o salmista, “não dormitará aquele que te guarda... ele guardará a tua entrada e a tua saída”. Aprenda a confiar e lembre-se “a maior perda é a das coisas que nunca tivemos” Mauro Motta.
Outro medo muito comum, o quinto, é o medo de amar. Sl. 91:14 “porque a mim se apegou com amor, eu o livrarei; pô-lo-ei a salvo”. A alusão do salmista é o amor de Deus por nós, mas eu bem que posso transportar isto para o amor que envolve um homem e uma mulher. Hoje ninguém se apega mais a ninguém, por isso “ninguém está a salvo”! Estamos na sociedade dos descartáveis, pois aprendemos a amar as coisas e usar as pessoas. “tem gente que pensa que gente se entrega a outra gente e nada acontece. Tem gente que se dá a outra gente sem saber que a gente é feita de gente. Tem gente que se ilude com a idéia de que gente não transfere gente para outra gente. Tem gente que não entende que gente é contagiada quando se faz ‘um’ com outra gente.” Caio Fábio. Eis uma realidade! Gente reciclando relacionamento, passando de mão em mão, simbiotizando a alma com toda sorte de ser, e ainda diz que o bom é experimentar a variedade. Coisa nenhuma! Quanto mais relações mais distorções, mais confusão sentimental, mais referências cruzadas, a pessoa acaba perdendo a noção do que é amor, pois tantas são suas experiências que ela já não distingue o bom do ruim. Amor não é um sentimento, mas uma decisão. Esta é a cura para este mal: “o verdadeiro amor lança fora todo medo... o amor tudo crê, tudo suporta, tudo espera”.
O sexto e último medo é o medo da solidão. Sl. 91:15 “Ele me invocará, e eu lhe responderei; na sua angústia eu estarei com ele”. A violência nos aprisionou em nossas casas. A tecnologia nos transportou para mundos distantes sem sair do lugar. Nossa vida se tornou impessoal, não relacional. É um tempo de impermanência, onde a existência de qualquer coisa duradoura está ameaçada. As pessoas se relacionam como empresas, fazem “contratos” de curta duração, pois não existem mais projetos de longo prazo, tudo é perecível. Por isso canta o poeta Cazuza: “solidão a dois de dia faz calor depois faz frio”. É a vivência que não gera conjugalidade, que não gera relacionamento, é apenas sexo e diversão, não existe renúncia, não existe amor, não existe doação. Vivemos na cultura da imagem: corpo sarado, mas a mente vazia; é a supervalorização do invólucro remendado pela plástica, a despeito das celulites e rugas, mas que vêm acompanhadas de precioso conteúdo existencial. É a tirania do se fazer acompanhar, pois é melhor estar mal acompanhado do que só. Que tragédia! Deus te diz: “nunca te deixarei, jamais te desampararei”. Viver de forma solitária, mas reverente para consigo mesmo, pode ser uma escolha difícil, mas que eliminará de tua vida muitos males. Quanto a isto não tenha dúvidas, pois é o que a vida tem me mostrado.
Em minhas análises encontrei estes que são os medos de quem tem medo. Se você os identificar na sua vida, saiba: não há nada de anormal com você. Apenas, com coração apaziguado pela graça e com a alma pacificada pela fé, busque vencê-los, pois aquele que conhece a Deus é liberto de todos os seus temores. Diz o salmista “clamou este aflito, e o Senhor ouviu, e o livrou de todas as suas tribulações”. Por isso, não tema, mas apenas confie...
Carlos Moreira é culpado pelo que escreve. Julgado, tornou-se réu do Genizah. Outros textos seus podem ser lidos em A Nova Cristandade.
Carlos Moreira é culpado pelo que escreve. Julgado, tornou-se réu do Genizah. Outros textos seus podem ser lidos em A Nova Cristandade.
Mano! Muito bom. Um dos melhores textos já publicados aqui.
ResponderExcluirAbs
Danilo
Sempre bom ouvir que não há nada de errado conosco ao sentirmos medo, esse sentimento intrínseco ao ser humano. E que temos um Deus que não nos condena se sentimos temor, antes, nos conforta e nos encoraja para seguirmos em frente. Segura em nossa mão e nos conduz.
ResponderExcluirMano, valeu pela força. Um comentário seu é uma honra para mim. Beijão no coração.
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