Ungido, Não-Ungido.
https://genizah-virtual.blogspot.com/2010/01/ungido-nao-ungido.html

Luís Wesley de Souza
Não sou, nunca fui e não tenho qualquer desejo de me tornar maniqueísta. Detesto a atitude dos maniqueístas. Entretanto, nos últimos anos me percebo mais pensativo e criterioso quanto a aceitar convites para pregar em igrejas brasileiras, com exceção daquelas nas quais me sinto em casa, por confortável e receptivas que são, primariamente com a Essência, não com o forma.
Prego em muitas partes do mundo, em países ricos e pobres, diante de gente simples e de intelectuais, para críticos e passivos, apaixonados e desapaixonados, crédulos e incrédulos, em igrejas grandes e pequenas, livres e denominacionais, rurais e urbanas, universitárias e primárias, em estado terminal ou em generosa infunsão de vida. Todas as audiências ou congregações são diferentes, às vezes com absolutamente nenhuma semelhança de perfil.
Aprecio congregações que não pré-estabelecem um estereótipo do que seja um pregador “ungido”. Apenas como exemplo, em janeiro de 2008 fui ao Chile e preguei num domingo pela manhã na Primeira Igreja Metodista de Santiago, onde encontrei 40 pessoas, 12 das quais eram meus alunos daqui da Emory University. À noite preguei na Igreja Metodista Pentecostal Jotabeche, onde encontrei 17.000 pessoas. Meus alunos pareciam sumir no meio da multidão!
Nas duas igrejas, embora cosmicamente diferentes [veja nota número 1 no rodapé], fui recebido e ouvido com carinho e aceitação no meu jeito de ser e de compartilhar a Palavra: reflexivamente, sem estardalhaços, sem espetáculo, sem ufanismo, sem as manias características dos estereótipos “ungidos”; às vezes poética, às vezes linear, às vezes narrativa, às vezes visual, e às vezes nem sei...
Por outro lado, já experimentei no Brasil o absurdo da caracterização como “não-ungido”, a explícita abordagem de que eu não estou sintonizado com o mover de Deus neste tempo, o inconcebível conceito de que não navego no Espírito, o impensável daquilo que o pessoal considera rejeitável em mim por ser "tradicional, carismático, progressista, conservador, pentecostal ou liberal", e a aventura da rejeição por não me alinhar. É obvio que eu sei que jamais me encaixei, nem pretendo, nestas caracterizações.
Nisto que disse acima reside um bloqueio que tenho tido nos últimos anos nesta coisa de pregar em igrejas locais no Brasil. Há anos venho percebendo uma crescente onda de estereótipos nos quais eu, definitivamente, não me encaixo: não fiz Encontro com Deus, não estou na “visão”, não falo em línguas durante a pregação, não faço apelação emocional, não manipulo o anseio sincero das pessoas pelo supreendente, não tento agradar aqueles que nada querem senão consumir a fé de forma extraordinária, espiritualizante e extremamente individualista.
Além disso, não visto capas de anjo e nem aceito significados correntes do que seja ser um “profeta”. Não considero que minhas mãos sejam particularmente miraculosas. Não tenho e não prego sob um exacerbado encantamento pelo místico, não me entendo como convergente-densidade-ambulante dos poderes divinos, nem dos milagres de Deus. Não derrubo pessoas, não me porto como animador de auditório, nem muito menos como Chacrinha da fé evangélica. Me debruço na Palavra, mas não viajo em analogias irrelevantes, alienadoras e descontextualizadas.
Quando prego, faço perguntas aos céus, à bíblia e às pessoas, muito mais do que ofereço respostas. Faço exegese não somente do texto e do contexto do texto, mas também dos contextos sócio, econômicos, culturais, espirituais e emocionais que rodeiam e afetam a todos, particularmente aos ouvintes. Quando prego, não entendo do céu mais do que entendo da terra, mas não paro de pensar na outra vida para não começar a falhar nesta. Afinal, "quem almeja o céu, terá a terra como acréscimo; quem almeja a terra, não terá nem uma nem outra" (C.S. Lewis).
Por causa disso tudo, pode ser mesmo que eu não seja uma espécie “ungida”. Aliás, desejo não sê-lo se para isso tiver que me tornar um pregador medíocre. Deus me livre de deixar de ser quem sou para incorporar alguém que não sou. Explico: sou ungido, sim, mas não para reproduzir e retro-alimentar os tais estereótipos. Ao menos não no que está pegando em termos de modelos em várias igrejas brasileiras!
O Senhor me deu o dom de pregar desde aos 16 anos de idade, num contexto missionário trans-cultural e desafiador. Desde então procuro ser fiel à esta vocação, sem parar de aprender e crescer, de modificar e de abrir horizontes. Não parei no tempo, não me escravizei a nenhum dado modelo de mercado de consumo religioso. Tive e tenho uma experiência carismática forte, mas faço clara distinção entre Essência e forma, Espírito e estilo, Vinho e taça, Centro e borda, Miolo e casca, Néctar e bagagem.
Não compro as espiritualidades personalistas, patológicas e empacotadas que tenho observado em púlpitos de muitas partes do Brasil. Conquanto respeite quem vive algo diferente do que eu sou e faço, não faço de ninguém um modelo estanque. Aprecio que líderes cristãos façam o trabalho dentro de suas próprias maneiras culturais e em coerência com suas personalidades, mas não mudo a minha voz, nem o meu tom, nem o meu cabelo para me parecer mais com estes ou aqueles, só porque são considerados "ungidos". Afinal, vai muito da composição histórica, da experiência, da razão e da natureza de cada um.
No que tange a mim, assim como a tantos outros que não são muito diferentes de mim, optei por uma espiritualidade Trinitária, contemplativa, solta, informal, analítica, reflexiva, crítica, questionadora, acolhedora, silenciosa, inquieta, engajada, consciente e calcada nas Escrituras.
Optei e me vejo ungido, sim, para uma pregação cuja prática é educativa e cuja pedagogia é a da autonomia do ouvinte. Não da dependência no pregador. Parafraseando Paulo Freire, não há pregação sem o ouvinte e sua respectiva experiência concreta. Por esta razão, minha prática de pregação exige rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos ouvintes, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo. Exige risco, aceitação do novo e a rejeição a qualquer forma de discriminação. Exige reflexão crítica sobre a prática, além do reconhecimento e a assunção da identidade cultural. [2]
Concebo com segurança de que pregar não é transferir conhecimento. Por isso dou boas-vindas à consciência do meu próprio inacabamento, o reconhecimento de ser condicionado. Dou o devido respeito à autonomia do ser do ouvinte, uso de bom senso e o faço com humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos ouvintes. Aprendo da realidade, nutro minha alegria, esperança e curiosidade à respeito dela, e, mais que tudo, falo na convicção de que transformação é possível e necessária. [3]
Navego tranquilamente na convicção de que pregar é tanto uma matéria divina quanto uma especificidade humana. Por isso, exijo de mim mesmo segurança, competência ministerial e generosidade, além do comprometimento e do exercício de compreender que a pregação é uma forma de intervenção no mundo. Isso implica que a minha pregação é inevitavel e irremediavelmente ideológica. Enquanto prego, não negligencio a liberdade e a autoridade, tomo decisões conscientes, procuro saber escutar antes de falar, disponho-me para o dialogo antes e depois da pregação, e quero bem aos que me ouvem. [4]
Creio plenamente na graça do Eterno, na regeneração advinda do sacrifício feito na cruz pelo Jesus de Nazaré, no poder santificador e orientador do Parácleto, na veracidade, integridade e integralidade das Escrituras. Faço disso tudo o eixo da minha atitude e conteúdo. Me dobro, me curvo, me coloco genuflexo no espírito em lugares de pregação; não à eles enquanto fim em si mesmos, mas a Alguém, sabendo que não estou ali por mim, mas por Ele e pelos seus.
Procuro falar menos pra não falar demais. Sei que a revelação do Pai da Luzes se silencia na voz do pregador quando este se ocupa em falar demais. Não desejo que o som da voz do Eterno sofra um eclipse causado pelas sombras que a precipitação e o excesso de palavras impõe ou imputa à revelação.
Por isso, procuro me silenciar quando necessário, reconhecendo que há algo muito além do que a linguagem verbalizada pode comunicar e operar. Ao silenciar-me, confio plena e radicalmente no Espírito Santo, da mesma forma e na mesma medida em que confio n'Ele quando abro a boca. Isto acontece quando eu, enquanto pregador, começo por admitir os limites do seu próprio pensamento teológico, e me posto silencioso, humilde, contrito e genuflexo na presença de um Deus que está acima e além das minhas tentativas de comunicá-Lo, de descrevê-Lo, de tangê-Lo.
Dito tudo isso, resta-me dizer apenas uma coisa adicional: sei quando parar, porque já falei o bastante e calar-me se faz necessário e pedagógico para o bem do ouvinte, não para o meu próprio bem!
Notas:
[1] Falo sobre as duas experiências no capítulo “The Challenges of John Wesley’s Theology in Latin American Mission Contexts”, em World Mission in the Wesleyan Spirit, editado por Darrell L. Whiteman e Gerald H. Anderson. [2] Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura), pgs. 21-46. [3] Ibidem, pgs. 47-90. [4] Ibidem, pg. 91-146.
PUXA, fazia muito tempo que não lia tanto EU, como nesse texto....que não via alguem falar tanto dos outros para se projetar dessa maneira... UAU!!!! Você pode nao ser um monte de coisas Luis, e como disse não quer mesmo ser... mas não sei se você se dá conta do que é, mesmo que talvez não queira, SOBERBO.
ResponderExcluirOU... perai, ahhhhh, entendi... não é Soberba, é autopromoção. Ok, agora entendi.
Maravilhosa reflexão. Sigo o blog há algum tempo e faço dele recomendação a todos os meus colegas pastores(as). Belíssima palavra.
ResponderExcluirem Cristo,
Pr. Nilton Frota
Igreja Metodista
Pr Bereano (Hum???),
ResponderExcluirQue comentário mais sem pé em sem cabeça. Obviamente não foi a questão levantada que te incomodou, até porque não é pertinente...
Diga ai qual dos SEUS calos foram pisados aqui??
Voce é daqueles mais ungidos que os outros?
Pastor Luiz,
ResponderExcluirNão sei porque pensamos estar sós em certos momentos de nosso ministério. Que bom que o Senhor, nos apresenta um irmão vivendo o mesmo momento, ou como no seu caso, superando o desafio (e com honra) para nos incentivar.
Danilo, obrigado pelo texto do Pr. Luiz, nadar contra a corrente não é fácil. Bom saber que ainda tem salmão neste rio e as piranhas não dominaram tudo!
Jairo Fontana
Luiz Wesley foi meu professor na pós-graduação. Se tem uma coisa que ele realmente não tem é soberba. Um sujeito muito crente e muito capacitado intelectualmente - no nosso meio, às vezes são coisas separadas. Infelizmente ele tem um defeito: é fã de música sertaneja! Mas, pela graça do Senhor, a gente perdoa, né?
ResponderExcluirFala mano Digão! Tu toma tenência! Escreve ai pra gente.
ResponderExcluirEu gosto muito dos textos do Luiz Wesley. Já fazia tempo que o queria aqui!
Paz pessoal!
ResponderExcluirInfelizmente tenho que concordar: os critérios utilizados em nossos movimentos pentecostais para definir alguém como "ungido", tem sido os mais estranhos possíveis em grande parte dos lugares!
Ser ungido de fato, não significa ter perfil pronto para o estardalhaço, gritos desconexos, convulsões insanas ou coisas do tipo...
A unção que vem de Deus faz-nos úteis da forma que somos em nossas características pessoais, sem necessariamente traçar um estereótipo.
Como é bom ouvir pessoas serenas transmitir mensagens com um poder tão especial, que penetra as profundezes da alma. Sutileza e autoridade. Assim como também é bom ver pessoas mais eloquentes transbordando da graça de Deus.
Nem ao sul, nem ao norte. Todo extremo deve ser evitado, e todas as diferenças respeitadas... desde que em tudo exista mesmo o agir de Deus!
No mais... Paz!
Parabens irmão Luiz!
ResponderExcluirMais e mais pessoas a cada dia se cansam desta sopinha Nestle que andam nos servido na igreja. Esta turma de super-herois gospel só sobrevive diante desta engordamento (chamado de avivamento) da igreja evangélica.
Mas é questão de tempo. Os neófitos que ficarem, vão eles mesmos botar esta turma para passear, tão logo estejam prontas para alimento sólido e não este falso evangelho fast food!
Marcelo Cabral de Copa Cidade Maravilhosa
Maravilhoso Texto...a cada dia que passa fico mais apaixonado por esse blog...e seus textos...
ResponderExcluirSão dádivas de Deus aos coraçoes de quem um dia achou que tudo era santidade...
São tantas coisas que vi e presençiei que só lendo textos assim para ver que existem homens que ainda se importam com a verdadeira fé,e não com as palhaçadas que as "igrejas " nos ofereçem hoje....