Quatro homens e um segredo

“Chegando estes leprosos à entrada do arraial, entraram numa tenda. Comeram e beberam e, tomando dali prata, ouro e vestes, foram-se e os esconderam. Voltaram, entraram em outra tenda, e dali também tomaram alguma coisa, e a esconderam. Então disseram uns para os outros: Não fazemos bem. Este dia é dia de boas novas, e nos calamos. Se esperarmos até a luz da manhã, algum castigo nos sobrevirá. Pelo que vamos e o anunciemos à casa do rei” (vv.8-9).
Duas opções se descortinavam ante seus olhos:
# Guardar segredo
#Partilhar a boa nova
Não fosse a súbita crise de consciência, aqueles homens teriam guardado segredo pelo resto de suas vidas. Por que deveriam compartilhar a boa nova com aquela gente que os tinha rejeitado por tanto tempo?
A igreja cristã é detentora da mais importante mensagem de todos os tempos. Apesar de nem sempre saber as implicações e aplicações dessa mensagem.
E o que ela tem feito? Guardado segredo.
Os princípios contidos no Evangelho poderiam mudar drasticamente a história da civilização humana, se tão-somente fossem compartilhados com o mundo.
O que a igreja precisa saber é que ela existe em função do mundo.
Assim como Deus escolheu a Abraão e a sua descendência, para que por meio dele todas as famílias da terra fossem beneficiadas, Deus escolheu a igreja para ser o canal que trará a restauração do mundo.
Temos falhado no cumprimento de nossa missão. Tornamo-nos um fim em nós mesmos. Vivemos em função de nossas próprias necessidades e da manutenção de nossos projetos pessoais.
Se a igreja continuar assim, ensimesmada (voltada para si mesma), ela experimentará uma processo de implosão. Ou ela se volta para o mundo, ou será implodida.
Por isso, tantas denominações têm perdido a relevância, e conseqüentemente, seus membros.
O projeto original de Deus é que a igreja se torne uma referência para o mundo. Ela é uma espécie de amostra grátis, de workshop do reino de Deus. Sua vocação é a de ser paradigma civilizatório. Mas em vez disso, ela se tornou num gueto religioso, repleto de gente ensimesmada.
Conscientes dos riscos que corriam, aqueles leprosos resolveram, unânimes, anunciar a boa nova ao rei.
“Assim, vieram e bradaram aos porteiros da cidade, e lhes anunciaram: Fomos ao arraial dos siros e lá não havia ninguém, nem voz de homem, porém só os cavalos e os jumentos atados, e as tendas como estavam” (v.10).
É claro que o rei não deu crédito àquele anúncio. Ele achou que podia ser uma armadilha dos siros. Por isso, aconselhado por um dos seus servos, enviou cinco cavaleiros para que investigassem e constatassem o fato.
“Foram após eles até o Jordão, e todo o caminho estava cheio de roupas e de objetos que os siros, apressando-se, lançaram fora. Voltaram os mensageiros e o anunciaram ao rei. Então saiu o povo e saqueou o arraial dos siros. Assim houve uma medida de farinha por um siclo, e duas medidas de cevada por um siclo, conforme a palavra do Senhor” (vv.15-16).
Quantos mensageiros do mundo têm entrado em nossos arraiais, para constatar se de fato há coerência entre o que anunciamos e a realidade!
O mundo espera encontrar em nós, no mínimo, coerência entre o que pregamos e o que vivemos.
Não podemos ser um microcosmo do mundo, reproduzindo seus vícios e mazelas. Antes, temos que ser uma referência, um sinal vivo da presença do Reino.
A igreja deve promover um ambiente acolhedor, onde as pessoas sejam estimuladas ao exercício da livre iniciativa, à partilha de seus bens, à vivência comunitária.
E quanto àquele capitão que havia duvidado da palavra profética de Eliseu?
“Ora, o rei havia colocado à porta o capitão em cujo braço se apoiava, e o povo o atropelou na porta, e ele morreu, como dissera o homem de Deus, o que falou quando o rei descera a ele”(v.17).
Este é o destino de quem se atreve a duvidar dos propósitos de Deus. Acaba sendo atropelado pela história.
Não é a incredulidade humana que vai impedir a execução dos propósitos divinos. Quem crê, participa. Quem duvida, assiste.
Nossa vocação, enquanto seguidores de Cristo, é de ser protagonistas, e não meros expectadores da história.
Obs.: As duas primeiras partes deste artigo podem ser encontradas aqui no blog, sob os títulos "Os verdadeiros devoradores"(parte 1) e "Se correr o bicho pega, se ficar..." (parte 2).
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Hermes Fernandes é réu confesso no Genizah
Irmão Danilo, para mim, o maior problema da igreja está em negligenciar o chamado de Deus, e por se voltar para suas próprias cobiças acabam por surgirem as heresias e modismos que atendam as necessidades dos fiéis, enfim, a solução é voltar a viver e pregar o puro Evangelho.
ResponderExcluirabraços fraternais em Cristo.
Excelente, meu bispo! O problema de nossas igrejas é que temos uma teologia que está assentada na satisfação pessoal e não na renúncia do ego. Então os doutrinados contentam-se em reter o tesouro para si.
ResponderExcluirAbraços!
Lendo este texto me lembrei do silêncio da igreja evangélica durante os 25 anos da ditadura militar.
ResponderExcluirVinte cinco anos de trevas, de morte, de perseguição política; e a igreja que deve ser luz no meio das trevas, completamente calada.
Não iluminou nenhum dos dois lados, nem o lado dos ditadores, nem o lado do povo, mas permaneceu em silêncio.
A igreja que deveria ter feito a diferença, não fez e ainda não faz, ela continua em silêncio.
A ditadura continua na economia, o povo continua explorado; e a igreja resolveu abrir a boca e pedir chuva ao deus das águas.
Glaucia, nessa época, alguns dos pastores mais celebrados em nosso meio penderam para o lado dos militares em busca de favores. Poderia até citar um ou outro, mas por ética, prefiro não falar. Mas que foi uma vergonha, foi!
ResponderExcluirHouve alguns que, por não aceitarem o golpe militar, foram considerados subversivos e simplesmente desapareceram. Mas a maioria se calou e foi vergonhosamente conivente.
Ótima série! Todos os 3 posts convidando a muita reflexão. Aos que não leram os demais, vale muito a pena!
ResponderExcluirParabens Hermes!