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A Laicidade no Ensino Público

por Johnny Bernardo


Há exatos 123 anos um levante político-militar dava fim a Monarquia ao substituí-la pelo Republicanismo. A iniciativa, liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca, trouxe sérias implicações ao sistema de governo e gestão da coisa pública. O Catolicismo Romano, antes religião oficial da Colônia e depois da Monarquia, perde seu status ao ser promulgada a Constituição de 1891.

Declarado laico, o Estado assume sua responsabilidade como gestor do ensino público – antes sob tutela dos jesuítas que, por quase 200 anos, fundaram e dirigiram diversos colégios por todo o país. Apesar da influência católica no ensino, D. Pedro II demonstrou interesse ao, em 1862, declarar que o “ensino deve ser inteiramente secular [isto é, laico], com a exceção do religioso” (Posicionamentos, Observatório da Laicidade do Estado).



Catequizar e educar – nas palavras de Maria Luisa Santos Ribeiro (A organização escolar no contexto da consolidação do modelo agrário – exportador dependente, 1998) – eram palavras sinônimas e que estavam atreladas a um estilo ou ideal da classe dominante. Segundo a autora, tudo passa pela questão do ensino religioso como forma de evangelização dos escravos, ou seja, o papel do ensino religioso, da Igreja e da Educação era catequizar.

Proclamada a República, um novo modelo de ensino passa a ser adotado tendo como base a expressão: “Será leigo o Ensino ministrado nos estabelecimentos oficiais de ensino” (PCN: ER, 2004, p. 14). Maria Amélia Giovannini Calado, em sua análise “A laicidade estatal face à presença de símbolos religiosos em espaços públicos”, lembra que o Estado Laico não é um Estado ateu. Ainda sobre o papel Laico do Brasil, a autora dispara.

A atual Constituição brasileira apresenta o caráter Laico do Brasil em seu artigo 19, I, ao descaracterizar o caráter Teocrático, bem como o Confessional, pois não permite a subvenção, comum em Estados Confessionais, a aliança ou a dependência, via de regra, do Brasil com qualquer instituição religiosa.

Crise e reestruturação 



Com a República, o Catolicismo Romano passa a atuar de maneira autônoma em relação ao governo central – o regime do padroado, estabelecido décadas antes do Descobrimento, dava à coroa portuguesa autorização para construir templos e mosteiros, dotá-los de padres e religiosos e, principalmente, nomear bispos. O clero fazia parte do funcionalismo público, remunerado pelo Estado (Pierucci, O Livro das Religiões, p. 281).


Acontecimentos anteriores a Proclamação da República – como a expulsão de jesuítas das colônias portuguesas e a interferência da Monarquia em assuntos internos da Igreja, como a que determinava a expulsão de padres envolvidos com a Maçonaria – conduziu a Igreja a um posicionamento compatível ao defendido pelos republicanos. O regime do padroado, portanto, passou a ser visto pelo clero como um impeditivo ao seu crescimento e autonomia.

Apesar de favorável ao republicanismo, o novo modelo de governo – pautado na laicidade administrativa – impôs à Igreja Católica no Brasil uma crise financeira e estrutural somente reversível algumas décadas depois. Com a chegada de Getulio Vargas ao Poder – e antes com o surgimento de uma reforma promovida pelo pensador Francisco Campos, na qual defendia o ensino religioso como de caráter facultativo – aos poucos a influência católica no ensino ganha uma nova dimensão. Através do decreto de 30 de abril de 1931 e na Constituição de 1934 o ensino religioso facultativo passa a ser assegurado no artigo 153.

O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrada de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais, normais.
A manutenção do ensino religioso (facultativo) nas constituições seguintes sofreria pouquíssimas alterações. A Concordata Brasil – Vaticano, firmado em 13 de novembro de 2008 e que ganha força jurídica com o decreto de número 7.107, de 11 de fevereiro de 2011, estabelece, na prática, um retorno do Catolicismo Romano ao centro do poder político no Brasil pondo em risco às conquistas alcançadas pelo republicanismo. O principal problema em torno da Concordata está no artigo 11.

A Republica Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.

§1 O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa no Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.

Embora mencione “outras confissões religiosas”, o artigo 11 coloca, por outro lado, o Catolicismo Romano em uma posição de destaque em relação às demais confissões. A laicidade estabelecida pela Constituição de 1891 fica, portanto, prejudicada frente à ameaça. No Rio de Janeiro, a abertura de um concurso para a contratação de 100 professores, sendo 45 católicos, 35 evangélicos, dez espíritas e dez de religiões afro-brasileiras, para a instituição do ensino religioso no município mostra a disparidade de vagas entre católicos e evangélicos, por exemplo, e o emprego de dinheiro público na contratação de líderes confessionais.



O sistema confessional de ensino – em que há emprego de líderes religiosos – é aplicado em quatro estados do Brasil, enquanto nos demais 21 estados predomina o modelo interconfessional – que diz respeito a duas ou mais crenças religiosas -, sendo o Estado de São Paulo o único a utilizar o ensino de História das Religiões. Em Brasília, um projeto de lei propõe o ensino da cultura islâmica em escolas públicas como forma de combate à “Islamofobia”, e tem como autor o deputado federal Miguel Côrrea – PT/MG. A proposta, assim como as demais participações de religiosos em espaços destinados ao ensino público, fere a laicidade.




Johnny Bernardo é jornalista, pesquisador da 
religiosidade brasileira e colaborador do Genizah





 



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