Nos passos do Pescador!
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Rev. Marcelo Lemos
Esses últimos dias tem sido emocionantes para o mundo
cristão dada a eleição do primeiro latino-americano para à Catedra de São
Pedro. Pedro, a quem Cristo fez pescador de almas, e a quem os católicos
romanos tomam por primeiro Bispo de Roma. Bem, mesmo aqueles que são
radicalmente anti-Roma não deixaram de prestar atenção a tais eventos, ou, pelo
menos, aos significados que podem, para o bem ou para o mal, estar em jogo. Vale lembrar que
os primeiros reformadores não demoraram a apontar conexões entre o Pontícife
sobre as Sete Colinas com a figura diábolica do Anticristo, pensamento que,
guardadas as devidas proporções, não foi completamente abandonado.
Pessoalmente, apreciei muito algumas das primeiras atitudes
do Papa Francisco (gostei logo do nome!), e ele me fez pensar no personagem de
Morris West no livro “As Sandalhas do
Pescador”. Acredito que aqueles que leram a obra devem ter feito a mesma
associação. Ainda que eu veja a instituição do Papado como sendo, sim!, um tipo
de anticristo, devido algumas doutrinas que ofuscam a simplicidade do
Evangelho, eu não posso deixar de torcer e aguardar por reforma e avivamento
sobre todo o povo de Deus, inclusive os ligados a Roma. Contudo, não há
doutrinas contrárias ao Cristo apenas em Roma...
Nem tão distante de Roma aconteceu outro evento que
possui sua própria dose de emoções. Foi entronizado na Quinta-Feira da semana
passada, 21 de Março de 2013, o novo Arcebispo da Cantuária, Justin Welby,
também feito na mesma ocasição, Primaz da Igreja [nacional] da Inglaterra. Aqui
no Brasil muitas pessoas me dizem: “Nossa, mas que Igreja é essa? Nunca ouvi
falar!”. O que é impressionante, pois a Igreja Anglicana foi a segunda a chegar
ao Brasil (a primeira, claro, foi a Romana), tendo sido a primeira Igreja evangélica
no Brasil. Hoje, a Comunhão Anglicana possui algo em torno de 77 milhões
de fiéis espalhados por todo o mundo. E há outra mutidão de anglicanos, não
filiados a Cantuária, mas que certamente acompanharam com grande interesse a
entronização do novo Arcebispo. Eu entre eles.
Se a eleição do Papa Francisco está cercada de significados,
a nomeação do novo Arcebispo da Igreja da Inglaterra também não deixa de ter os
seus. Welby substitui Rowan Williams, que assim como Bento XVI, renunciou a seu
posto. William aparentemente estava se vendo pressionado pelos grandes embates
teológicos que ferem o coração da Comunhão Anglicana, especialmente em questões morais como a relação da Igreja
com o homossexualismo. E este certamente será um tema que não deixará o novo
Arcebispo em paz. Enquanto o antigo Arcebispo
estava mais ligado a ala liberal da Igreja, o novo Primaz tem tendências mais
conservadoras, e já fez declarações favoráveis ao padrão divino “homem-mulher”,
o que despertará a fúria dos mais liberais.
Um exemplo: Peter Tatchell, renomado defensor dos “direito
humanos”, e militante dos ditos “direitos homossexuais”, recusou o convite do
novo Arcebispo, para se encontrarem, respondendo-lhe em carta que: “Você diz que não é homofóbico, mas uma
pessoa que se opõe a igualdade jurídica para as pessoas LGBT é sim homofóbica,
assim como aqueles que se opõem à igualdade de direitos para os negros é
racista”. Contudo, apesar de desagradar os ativistas gays, o novo Arcebispo
provalmente sofrerá também a oposição das alas mais conservadoras da Igreja,
como alguns anglicanos do Continente Africano, por exemplo. É a primeira vez
que um Arcebispo convida os militantes para um diálogo “frente a frente”.
Apesar de muitas pessoas imaginarem que o Anglicanismo tenha
“oficializado” as uniões de pessoas do mesmo sexo, e sua ordenação ao
Ministério, ocorre justamente o oposto. Na verdade, a Igreja da Inglaterra
oficialmente tem feito oposição aos políticos ingleses que pretendem legalizar
o “casamento” gay, e aos cléricos que apoiam a ordenação de homossexuais. E a
Comunhão publicou documentos oficiais a respeito, que tem sido desrespeitados. Em alguns países, como no Brasil, parte do
anglicanismo 'oficial' parece militar ao lado das chamadas “causas gay”, isso
se deve ao fato de que as Igrejas nacionais são autocéfalas, autonomas, e não a
uma decisão da Comunhão, ou mesmo da Igreja nacional da Inglaterra.
Quanto ao novo Arcebispo, se por um lado é contra as “causas
gay”, por outro tem se mostrado favorável a ordenação feminina. No entanto, o
poder do Arcebispo de Cantuária nem de longe se compara ao do Pontífice Romano,
já que Cantuária não possui autoridade direta sobre as igrejas nacionais que
integram a Comunhão, devendo ser vista mais como um símbolo de unidade entre os
cristãos anglicanos. Assim, mesmo qu ele desejasse impor seus pontos de vista
aos demais anglicanos da Comunhão, não poderia fazê-lo. Ademais, é parte do ethos anglicano defendermos o princípio
chamado de “via média”, que convida os cristãos a se unirem no essencial, se
respeitarem nas diferenças, e se amarem em todo o restante – e isso tem sido utilizado, por alguns, como
desculpa para se abrir portas ao liberalismo e outras extranhesas nada
anglicanas e reformadas. Interessante observar que o termo “via média” dá
origem ao termo “mediocre”, e ao ser usada também para abrir mão das doutrinas
fundamentais, não seria essa a definição de “via média”? Claro, sou anglicano e
acredito no “caminho do meio”, mas somente pelo que ele origialmente é:
fundamentos firmes que nos permitem respeitar divergências secundárias.
Seja como for, uma recente pesquisa aponta que a cada dia
quase 1000 britânicos deixam de declararem-se como “cristãos”. É um desafio
enorme para a Igreja Anglicana; na verdade, um desafio para todos os cristãos,
quer estejam ligados a Comunhão, quer pertençam a outras tradições. Um desafio
também global, que pode se revelar com outras caras e bocas. Se o secularismo
parece ameaçar a fé nas ilhas britânicas, o materialismo e a superstição a
ameça em Países aparentemente avivados, como se dá no Brasil. Por aqui, a
Igreja Anglicana Reformada, que não pertence a Comunhão Anglicana, pretende
enfrentar esse desafio mantendo-se fiel ao Evangelho do Cristo, que um dia foi
igualmente divulgado por heróis da fé como Tomas Crammer - martirizado justamente
em um 21 de Março! Crammer foi o idealizador e redator principal do Livro de
Oração Comum, de 1633, que utilizamos até os dias de hoje.
É justo dizer que em terras tupiniquins, há anglicanos
ligados a Igreja “oficial”, que já nos disseram que nós, anglicanos reformados,
estamos apenas querendo entrar para a Comunhão Anglicana “pelas portas dos
fundos”, como se fosse preciso fazer parte da Comunhão para viver a espiritualidade
anglicana. Pode ser. Históricamente, entretanto, a verdade é que o anglicanismo
criou a Comunhão, e não o contrário. Além disso, mesmo que nós, anglicanos reformados,
ainda vistos de soslaio por muitos anglicanos “oficiais” do Brasil, estejamos
prestes a ter – acidentalmente! - nossas Ordens reconhecidas por essa mesma
Comunhão (liberais tremei!), tal status não é o nosso objetivo principal, nem
secundário. Aliás, nem temos tal objetivo. Se pretendemos algo, nada mais é que
seguir adiante com a missão do Pescador, como homens aos quais Cristo fez
pescadores de almas.
Este deve ser o objetivo de todo cristão, seja em Roma, em
Cantuária, ou no Brasil. Fazendo uma autoavaliação é notável o pouco
crescimento do anglicanismo no Brasil, o que também pode ser dito de nós,
anglicanos reformados, que aqui estamos a bem menos tempo. Especificamente
sobre os reformados, temos mantido uma doutrina fiel, e feito criticas
contundentes aos desvios doutrinários e eclesiológicos a nossa volta, mas temos
crescido muito pouco. Será que criticamos demais e esquecemos de evangelizar?
Será que precisamos celebrar nossa Eucaristia na Praça da Sé, ou em algum beco
da Cracolândia? Será que precisamos fechar nossas “catedras Facebook”, e abrir
pontos de pregação na favela ao lado? É nem possível. Certamente temos muito
ainda a aprender com Pedro, o judeu pescador vocacionado por Cristo.
Rev. Marcelo Lemos, blogueiro reformado, a procura de talentos para