Deus não morreu
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William Lane Craig
Nos últimos tempos, o mercado literário tem sido inundado por títulos
defendendo o ateísmo. Boa parte deles viraram best-sellers – caso de Deus, um delírio,
de Richard Dawkins, o mais ruidoso lançamento recente nesta linha.
Pode-se supor, à primeira vista, que seja impossível aos pensadores
modernos defender intelectualmente a existência de Deus. Todavia, um
exame rápido nos livros do próprio Dawkins, bem como de autores como Sam
Harris e Christopher Hitchens, entre outros, revela que o chamado novo
ateísmo não possui base intelectual e deixa de lado a revolução ocorrida
na filosofia anglo-americana. Tais obras refletem mais a pseudociência
de uma geração anterior do que retratam o cenário intelectual
contemporâneo.
O ápice cultural dessa geração aconteceu em 8 de abril de 1966. Naquela ocasião, o principal artigo da revista Time,
um dos maiores semanários da imprensa americana, foi apresentado numa
capa completamente preta, com três palavras destacadas em vermelho:
“Deus está morto?”. A história contava a suposta “morte” de Deus,
movimento corrente na teologia naquela época. Porém, usando as palavras
de Mark Twain, a notícia do “falecimento” do Senhor foi prematura. Ao
mesmo tempo em que teólogos escreviam o obituário divino, uma nova
geração de filósofos redescobria a vitalidade de Deus.
Para entender melhor a questão, é preciso fazer uma pequena digressão.
Nas décadas de 1940 e 50, muitos filósofos acreditavam que falar sobre
Deus era inútil – aliás, verdadeira tolice –, já que não há como provar a
existência dele pelos cinco sentidos humanos. Essa tendência à
verificação acabou se desfazendo, em parte porque os filósofos
descobriram simplesmente que não havia como verificar a verificação!
Esse foi o evento filosófico mais importante do século 20. O fim do
império da verificação libertou os filósofos para voltarem a tratar de
problemas tradicionais que haviam sido deixados de lado.
Com o renascimento do interesse nas questões empíricas tradicionais,
sucedeu algo que ninguém havia previsto: o renascimento da filosofia
cristã. A mudança começou, provavelmente, em 1967, com a publicação de
livro God and Other Minds: A Study of the Rational Justification of Belief in God (“Deus
e outras mentes: um estudo sobre a justificação racional da crença em
Deus”), de Alvin Plantinga. Seguiram-se a ele vários filósofos cristãos,
que militaram escrevendo em jornais eruditos, participando de
conferências e publicando suas obras nas melhores editoras acadêmicas.
Como resultado, a aparência da filosofia anglo-americana se transformou.
Embora talvez ainda seja o ponto de vista dominante nas universidades
americanas, o ateísmo hoje é uma filosofia em retirada.
Em um artigo recente, o filósofo Quentin Smith, da Universidade Western
Michigan, lamentou o que chama de “dessecularização” da academia, que
no seu entender evoluiu nos departamentos de filosofia desde o fim dos
anos 60. Ele se queixa da passividade dos naturalistas diante da onda de
“teístas inteligentes e talentosos que entram na academia hoje”. E
conclui: “Deus não está morto na academia; voltou à vida no fim da
década de 60 e hoje está vivo em sua última fortaleza acadêmica – os
departamentos de filosofia”.
Teologia natural – O renascimento da filosofia cristã
foi acompanhado pelo ressurgimento do interesse na teologia natural,
ramo que tenta provar a existência de Deus sem usar a revelação divina. O
alvo dessa teologia natural é justificar uma visão de mundo teísta
ampla, que é comum entre cristãos, judeus e muçulmanos – e, claro,
deístas. Embora poucos os considerem provas atraentes da existência de Yahweh
dos cristãos, todos os argumentos tradicionais a favor da veracidade de
Deus, além de alguns novos, encontram hoje defensores hábeis.
O argumento cronológico, por exemplo, defende que tudo o que existe tem
uma explicação para sua existência, seja na necessidade de sua natureza
ou em uma causa externa. E, se há uma explicação para a existência do
universo, essa é a existência de Deus. Trata-se de um argumento com
validade lógica, já que uma causa externa para o universo tem de estar
além do espaço e do tempo; portanto, não pode ser física nem material. O
argumento cronológico é defendido por estudiosos como Alexander Pruss,
Timothy O’Connor, Stephen Davis, Robert Knoos e Richard Swinburne, entre
outros.
Já o argumento cosmológico considera que tudo que começa a existir tem
uma causa; portanto, se o universo passou à existência, também ele tem
uma causa. Stuart Hackett, David Oderberg, Mark Nowacki e eu,
particularmente, o defendemos. A premissa básica com certeza parece
mais plausível do que sua negativa – afinal, acreditar que as coisas
simplesmente comecem a existir sem uma causa é pior do que acreditar em
mágica. Ainda assim, é surpreendente o número de ateus que evitam tal
explicação. Tradicionalmente, os ateus defendem a eternidade do
universo. Há, porém, muitos motivos, tanto filosóficos quanto
científicos, para duvidar dessa eternidade. Para a filosofia, por
exemplo, a idéia de passado infinito é absurda; se o universo nunca teve
início, então o número de eventos históricos é infinito. Essa idéia é
muito paradoxal, e, além disso, levanta um problema: como o evento
presente poderia acontecer se houvesse um número infinito de eventos
para acontecer antes?
Além do mais, uma série notável de descobertas astronômicas e
astrofísicas do século passado conferiu nova vida ao argumento
cosmológico. Temos, hoje, evidências bem fortes de que o universo não é
eterno no passado, mas que teve um início absoluto há cerca de 13,7
bilhões de anos, em um cataclismo conhecido como Big Bang. Esta tese é
espantosa porque representa a origem do universo a partir de
praticamente nada – afinal, toda matéria e energia, inclusive o espaço e
o tempo físicos, teriam derivado dele. Os recentes experimentos com o
LHC, o mega-acelerador de partículas instalado nos Alpes suíços,
caminham justamente nesta direção. Alguns cosmólogos até tentaram
fabricar teorias alternativas para fugir a esse início absoluto – porém,
nenhuma delas foi aceita pela comunidade científica.
Em 2003, os cosmólogos Arvind Borde, Alan Guth e Alexander Vilenkin
conseguiram provar que qualquer universo que exista, em estado de
expansão como o nosso, não pode ter passado eterno; mas teve,
necessariamente, um início absoluto. “Os cosmólogos não podem mais se
esconder atrás da possibilidade de um universo com passado eterno”, diz
Vilenkin. “Não há como fugir – eles têm de encarar o problema do início
cósmico”. Segue-se, então, que precisa ter havido uma causa
transcendente que trouxe o universo à existência. Uma causa plausível no
tempo, acima do espaço, e portanto, imaterial e pessoal.
“Assinatura de Deus” – Resta o argumento teológico.
Este permanece firme como sempre, defendido, em várias formas, por gente
como Robin Collins, John Leslie, Paul Davies, William Dembski e Michael
Denton. Ultimamente, com o movimento denominado Projeto Inteligente,
boa parte destes pesquisadores prosseguem na tradição de encontrar
exemplos da “assinatura de Deus” nos sistemas biológicos. Todavia, o
ponto sensível da discussão enfoca a recente descoberta da sintonia do
cosmos com a vida. Essa sintonia assume dois aspectos – primeiro, porque
quando as leis da natureza são expressas em equações matemáticas, como a
da gravidade, apresentam certas constante. Logo, não determinam esses
valores. Segundo, há certas variantes arbitrárias que fazem parte das
condições iniciais do universo – a quantidade de entropia, por exemplo.
Essas constantes e quantidades se encaixam em um alcance
extraordinariamente pequeno de valores que permitem a existência de
vida. Se fossem alteradas em valor inferior ao da grossura de um fio de
cabelo, o equilíbrio que permite a existência e sustentação da vida
seria destruído – ou seja, não haveria vida.
A essência dessa argumentação é de que a existência do universo, tal
qual o conhecemos, decorre do acaso ou de um projeto. Quanto ao acaso,
teóricos contemporâneos cada vez mais reconhecem que as evidências
contra a sintonia são quase insuperáveis, a não ser quese esteja pronto a
aceitar a hipótese especulativa de o nosso universo ser apenas um
membro de um hipotético conjunto infinito e aleatório de universos.
Nesse conjunto, pode-se imaginar qualquer tipo de mundo físico, e
obviamente só encontraríamos um onde as constantes e quantidades são
compatíveis com nossa existência.
Claro que todos esses argumentos são objeto de réplicas e
contra-réplicas – e ninguém imagina que algum dia se chegará a consenso.
Na verdade, há sinais de que o gigante adormecido do ateísmo, após um
período de passividade, vai despertando de sua soneca e
entrando na briga. J. Howard Sobel e Graham Oppy escreveram livros
grandes e eruditos criticando os argumentos da teologia natural, e a
Cambridge University Press lançou Companion to Atheism (“Companheiro
do ateísmo”) no ano passado. De toda forma, a simples presença do
debate na academia prova como é saudável e vibrante a visão de mundo
teísta hoje.
Relativismo – Muita gente pode pensar que a reaparição
da teologia natural em nossos dias seja apenas trabalho desperdiçado.
Afinal, não vivemos em uma cultura pós-moderna, onde o apelo a
argumentos apologéticos como esses deixaram de ser eficazes? Hoje, não
se espera mais que argumentos para defender o teísmo funcionem. Não por
outra razão, cada vez mais cristãos apenas compartilham sua história e
convidam outros a participar dela.
Esse tipo de raciocínio carrega um diagnóstico errado, desastroso para a
cultura contemporânea. A suposição de que vivemos em uma cultura
pós-moderna não passa de mito. Na verdade, esse tipo de cultura é
impossível; não poderíamos viver nela. Ninguém é relativista quando se
trata de ciência, engenharia e tecnologia – o relativismo é seletivo, só
surge quando o assunto é religião e ética. Mas é claro que isso não é
pós-modernismo; é modernismo! Não passa do antigo verificacionismo, que
sustentava que tudo que não se pode testar com os cinco sentidos é uma
questão de preferência pessoal.
Fato é que vivemos em uma cultura que continua profundamente
modernista. Se não for assim, não haverá explicação para a popularidade
do novo ateísmo. Dawkins e sua turma são inegavelmente modernistas e até
científicos em sua abordagem. Na leitura pós-modernista da cultura
contemporânea, seus livros deveriam ter sido como água sobre pedra –
porém, as pessoas os agarram ansiosas, convictas de que a fé religiosa é
tolice.
Sob essa ótica, adequar o Evangelho à cultura pós-moderna leva à
derrota. Deixando de lado as armas da lógica e da evidência, deixaremos o
modernismo nos vencer. Se a Igreja adotar esse curso de ação, a próxima
geração sofrerá conseqüências catastróficas. O cristianismo se tornará
apenas mais uma voz em meio a uma cacofonia de vozes que competem entre
si – cada uma apresentando sua narrativa e alegando ser a verdade
objetiva sobre a realidade. Enquanto isso, o naturalismo científico
continuará a moldar a visão da cultura sobre como o mundo realmente é.
Uma teologia natural consistente é bem necessária para que a sociedade
ocidental ouça bem o Evangelho. Em geral, a cultura do Ocidente é
profundamente pós-cristã – e este estado de coisas é fruto do
iluminismo, que introduziu o fermento do secularismo na cultura
européia. Hoje, esse fermento permeia toda a sociedade ocidental.
Enquanto a maioria dos pensadores originais do iluminismo eram teístas,
os intelectuais de hoje, majoritariamente, consideram o conhecimento
teológico impossível. Aquele que se dedica ao raciocínio sem vacilar até
o fim acabará ateísta – ou, na melhor das hipóteses, agnóstico.
Entender nossa cultura da forma correta é importante, porque o
Evangelho nunca é ouvido isoladamente, mas sempre no cenário da cultura
corrente. Uma pessoa que cresce em ambiente cultural que vê o
cristianismo como opção viável estará aberta ao Evangelho – mas, neste
caso, tanto faz falar aos secularistas sobre fadas, duendes ou Jesus
Cristo! Cristãos que depreciam a teologia natural porque “ninguém se
converte com argumentos intelectuais” têm a mente fechada. O valor dessa
teologia vai muito além dos contatos evangelísticos imediatos. Ao passo
que avançamos no século 21, a teologia natural será cada vez mais
relevante e vital na preparação das pessoas para receberem o Evangelho. É
tarefa mais ampla da apologética cristã, incluindo a teologia natural,
ajudar a criar e sustentar um ambiente cultural em que o Evangelho seja
ouvido como opção intelectual viável para pessoas que pensam. Com isso,
lhes será conferida permissão intelectual para crer quando seu coração
for tocado.
William Lane Craigé professor pesquisador de filosofia