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Com Cristo Ficou Mais Difícil?


Por Levi Bronzeado



Ele era, até certo ponto, um ser sectário em suas idéias e verdades apreendidas. Fazia racionalizações diárias. Mas, o espelho de sua consciência revelava mais as incongruências do seu ser, do que a “verdade” que tanto enfatizava em suas perorações. Quão enganoso era o seu “coração”, pois, as palavras que saiam de sua boca, negavam o seu próprio eu interior. Dizia-se cristão, e, no entanto, comportava-se como um animal contraditório e escorregadio.

Os seus emocionantes sermões tinham sobre a plateia um poder de convencimento fora do comum. Sem saber que o próprio “saber” é também uma forma de dominação, ele esbanjava a sua verve diante dos que estavam numa posição de inferioridade. E, essa arrogante atitude frente às ovelhas que pastoreava, ele confundia com a vontade Divina. Ele não admitia que as suas velhas certezas pudessem ser contestadas pelo seu semelhante que estivesse a lhe ouvir. Não entrava em sua cabeça a máxima do filósofo Montaigne, que dizia: “a palavra é metade de quem a diz, e metade de quem a escuta”.

Certa noite, após ter feito um longo sermão sobre adultério, sem conseguir conciliar o sono, dedicou-se a autoreflexão. Os pensamentos que assomaram a sua mente foram muito fortes e devastadores, a ponto de deixá-lo receoso de que aparecesse alguém ali, e pudesse auscultar o que estava imaginando naquele momento.

Estava aturdido com o versículo emblemático, tema de seu último sermão, que como cola em madeira, impregnara o seu cérebro: “Eu, porém, vos digo: Qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração já cometeu adultério com ela. ( Mateus 5 : 28)

“Antigamente era melhor. Depois de Cristo, ficou mais difícil, porque, só em pensar o homem já cometeu pecado em seu coração” ─ Era esse o pensamento que vinha sufocando a sua alma após o duro sermão que fizera, com o intuito de conter o início de uma onda de litígios e separações entre casais em sua igreja.

A rígida hermenêutica que seguia letra a letra foi desconcertada pelo humano olhar que fazia, agora, para dentro de si mesmo. Por seus olhos passavam os valores, as crenças, aquilo que ele presenciava no meio da sociedade onde ensinava. Os paradigmas inflexíveis que ele colocara na sua vitrine teológica eram agora objeto de novas interpretações.

Estava realmente hesitante e confuso.

Lembrou-se do zelo de Saulo pela Lei. No afã de fazer prevalecer a Lei, o futuro disseminador do cristianismo, paradoxalmente, perseguia Cristo.

Em sua aflição chegou a perguntar para si mesmo: Nesse ponto, Cristo veio dificultar as coisas para o lado do homem?. Deus se humanizou para tornar mais complicada a vida do homem?

A frase fatal “de que agora se tornou mais difícil”, ─ martelava a sua cabeça.

Estremecido pela contradição humana, ele tentava apaziguar a sua alma, com exercícios e mais exercícios de imaginação. Continuou pensando, formulando perguntas e mais perguntas para si mesmo.

O fato de que Cristo viera resgatar a transparência, que havia se perdido, na relação entre os homens, no seu entendimento, tornara tudo muito mais difícil do que no tempo da Lei. Cristo viera rasgar o véu que escondia a hipocrisia do homem, para expor a trama mental urdida “secretamente” sob a forma de desejos ilícitos ─ era isso que ele de maneira tênue começava a entender.

Um vendaval de perguntas sem respostas, golpeava a sua mente insone na fatídica noite em que ele resolveu mergulhar, mais profundamente, nas águas tenebrosas do abismo do seu ser.

Um rosário de interrogações encharcava o seu confuso cérebro:

O melhor de antes, significava que a Lei só punia o ato, e era cega para as intenções do coração?

O melhor de antes, era porque, a cada sacrifício levado ao altar expiavam-se os pecados, deixando o homem livre para pecar de novo?

O que ficou mais difícil hoje, com relação aos pensamentos pecaminosos, é que com Cristo, não podemos mentir para nós mesmos?

Depois de muito refletir ele chegou à conclusão de que antes de Cristo, o formalismo das representações, como um porão, escondia os recalques e as más intenções urdidas nos recônditos da mente.

Agora, tudo tinha que ser transparente, e as intenções do coração passaram a ter peso igual ao mal praticado. Mas o contraditório surgiu rápido em sua mente, ao lembrar de Caim, que planejara em seu coração o assassinato de seu irmão Abel, ocasião em que Deus tinha lhe dado uma chance, ao falar: “[...] o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4: 7). É ─ refletia ele ─ nesse caso houve um desejo urdido no coração de Caim, que se não tivesse sido concretizado, não haveria pecado. Não entendia o “porquê”, da intenção malévola, nesse caso, não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres.

O pregador com o coração carregado de ansiedade já não se entendia mais, debatendo-se internamente contra os muros dos seus pré-conceitos.

Foi naquela marcante noite que ele descera ao porão do seu próprio inferno. Disse para ele mesmo: “não vou mais pregar sobre esse tão enigmático tema!”.

Havia mulheres na sua igreja, que eram belas, e isso ele não podia negar. Bem ─ dizia para si mesmo ─, o perigo reside no fato de admirá-las demoradamente, e isso é uma questão de grau. Depois do achar belo, vem o admirar, e finalmente, de forma sutil, viria a amizade ─ onde tudo poderia resvalar para ilicitude.

Ele admitia que a graça e a misericórdia de Deus cobriam uma multidão de pecados, menos o pecado do “desejo impuro” em relação ao sexo oposto ─, mesmo que de forma involuntária isso viesse a acontecer.

Com a cabeça à mil, ele chegou a sentir saudades da relação Deus-homem do Velho Testamento. Como gostaria que voltasse o tempo de Moisés, onde a pena para o pecado do adultério só era validada quando se ia às vias de fato. Além do mais, pensava: “naquele tempo, não poderia haver lugar para o remorso, pois havia o tal do bode expiatório que ao receber os pecados de todos, desaparecia numa fuga desembestada e doida pelo meio do deserto?”.

No dia seguinte, com os olhos a denunciar que passara toda a noite acordado, prometeu para ele mesmo: “Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso”.


***

Fonte:
Ensaio por Levi B. Santos
Guarabira, 06 de junho de 2006
Em Ensaios & Prosas
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  1. Olá Levi, A Paz do Senhor !

    Adultério... que tema terrível sobre qualquer ótica. Bem, o texto expresso em Mateus 5:28 diz:
    "Eu, porém, vos digo, que qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela".

    Seu ensaio ficou bem elaborado, mas digamos deixou um olhar penoso, e escuro sobre o referido verso, que pode suscitar até a mesma dúvida sobre o leitor (e talvez seja esta sua intenção, rs).

    Note com atenção esta parte da sentença que Jesus diz:
    "...qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar..."
    Aqui esta a chave, a palavra atentar significa: Ver, olhar, considerar, OBSERVAR COM INTENTO; reparar em.(Fonte: Dicionário Aurélio)

    Logo, a questão não é olhar para uma bela mulher e admira-la por sua beleza ainda que casada, ou se quem olha é casado. A questão é a intenção do olhar. É olha-lá com a intenção de quere-la para si, é olha-la e imagina-la sendo sua, cobiça-la (por exemplo beijando-a, tocando-a, etc). Você deu um bom exemplo na comparação com o desejo de Caim para com Abel, mas vi que não percebeu a similaridade. Caim desejara o mal a seu irmão e em sua mente já planejara (visualizara) seu assassinato, e Deus o alertou para isso. Ou seja, ele já olhava para seu irmão com más intenções. A mesma coisa se aplica ao que Jesus falou, qual é a intenção (plano, pesamento, imaginação) de quem olha, observa, atenta para uma mulher.

    Por fim só pra constar, o mesmo se aplica tanto a homens como a mulheres, já que a questão tratada aqui é o adultério.

    Espero, humildemente ter contribuido para dissipar as nuvens escuras que parairam sobre o tema.

    Abraços, Fernando Rebello (estou no twitter, com este nome).

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  2. Prezado anônimo

    Veja bem o impasse em que se encontrava o pregador em sua autoreflexão, nessa parte do texto:

    "Não entendia o porquê, da intenção malévola, nesse caso(o de Caim), não ser considerada, em si, um pecado, como acontecia com o desejo impuro à respeito das mulheres".

    O personagem do ensaio estava confuso, pois Caim urdiu em seu coração meticulosamente o assassinato do irmão, isto é, desejou matá-lo (semblante decaído), porém, se tivesse resistido a esse desejo, não teria pecado.

    Só, que no caso do "adultério",desejar, em si, já se constitui um pecado.

    Outra coisa: o personagem compreendia que a linha entre o olhar, o admirar, e o desejar para si, era muito tênue.

    A concupiscência dos olhos é fogo! A qualquer momento, tudo, num abrir e fechar de olhos pode descambar para a ilicitude.

    O personagem do ensaio não revela, mas será que ele, alguma vez, não caiu na fraqueza de desejar o ilícito, quando tudo depende do imaginar?

    No final do texto,após um profundo exame de consciência, o pregador deve ter sentido que não deveria atirar pedra. Deve ter se lembrado das palavras de Cristo(frente aos acusadores da prostituta).

    Ele deve ter meditado muito, para no final de tudo, falar assim, tão convicto:

    "Doravante, ao abordar as minhas ovelhas, vítimas desse venenoso desejo, serei mais compreensivo e misericordioso".


    Só a Graça,

    Levi B. Santos

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  3. Quantos de nós somos adúlteros e não admitimos?
    É só observar os apelos da tv dia e noite; os apelos nas roupas que usamos.

    Um exemplo, roupa de academia; pega todo mundo, homens e mulheres.

    Quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra.

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  4. Aquele que está em Cristo não peca necessário vos é nascer de novo

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  5. Faltou a continuação da idéia..."miserável homem que sou", a condenação, a morte, a ressurreição e o não sou mais eu...
    Isto não pode ser explicado. Tem que ser experimentado pela ação do Espírito Santo!

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  6. Tal reflexão me traz a mente o mesmo dilema entre o "sistema" católico e o protestante. Onde pela moral mais "frouxa" e pelos vários mecanismos sacramentais seus pecados são absorvidos sem necessariamente um arrependimento, mas uma confissão e o pagamento de uma penitência. E o protestantismo onde a interioridade se dá de forma mais intensa, provocando muita das vezes até uma moral mais opressora, devido essa independência do individuo na sua relação com Cristo sem intermediadores.

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  7. Cara eu desejo!!!Olho e e quando vejo ja to tirando a roupa da mulher com os olhos.Não falo nem de muheres casadas mas de solteiras.Quando bate a carencia então ai que a coisa fica complicada mesmo..rs
    Pra mim não é que na nova aliança piorou...na verdade na nova aliança continuou a mesma coisa.Quando Jesus fla da intenção do coração ele está dizendo que foi isso que o pai sempre levou em consideração.Mesmo na epoca da lei.Ele não está dizendo que agora o pecado se consome quando desejamos e antigamente quando se exteriorizava.Não!!!Ele ta dando a verdadeira essencia do que está por tras da lei de moises.A quebra da lei do amor!!A lei na santifica o homem e nem o condena.Ela é apenas um "Aio" até Cristo.Ela nao santifica pq não tem poder regenerativo.Ou seja nao pode tornar ninguem filho de Deus.No contexto do texto, Jesus está esclarecendo o povo dizendo exatamente isso que o pecado nunca esteve na quebra da lei escrita em tabuas mas no interior do homem.

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