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Os evangélicos e as grandes questões sociais



por Johnny Bernardo


O princípio bíblico de igualdade é citado por autores e lideranças políticas latino-americanas como um exemplo a ser seguido, uma base sobre a qual devemos construir nossas políticas e ações de combate à exploração capitalista, desumana, em que o trabalhador figura como um mero serviçal da oligarquia, um instrumento por meio do qual o lucro e a perpetuação no poder são garantidos. A sociedade contemporânea caracteriza-se pela extrema desigualdade entre ricos e pobres, pela ausência de recursos básicos, garantidos por lei, mas que na prática não alcançam as camadas mais pobres da sociedade. Emprego, alimentação, saúde, educação, habitação, segurança, são elementos defendidos por “movimentos sociais”, dos quais muitos evangélicos se veem engajados.

Auguste Comte destacou-se como um defensor da organização da sociedade como um elemento vital ao progresso, apoiado no desenvolvimento industrial, tecnológico. Desenvolveu o pensamento positivista que, no Brasil, viria a ser representado pela Igreja Positivista do Brasil, uma das responsáveis pela indução ao republicanismo. Émile Durkheim, por sua vez, fundamentou as teorias sociológicas a partir de um estudo realizado em uma pequena comunidade da Austrália. A religião, para Durkheim, possui um elemento social, de aglutinação, em que a humanidade se vê unida, conectada. Tanto Durkheim quanto Comte focou, em suas análises sociológicas, o aspecto material, racional, inter-relacional da prática religiosa. Marx, apesar de sua oposição à religião, era um defensor da igualdade social, dos direitos universais, como o acesso à educação.

O século XIX caracterizou-se, portanto, como um período racional, onde mesmo a religião era tida como um elemento de aglutinação social, sem o aspecto espiritual. Max Weber e outros pensadores europeus, como Montesquieu, Henry Thomas Buckle e John Keats, associaram o protestantismo ao surgimento e desenvolvimento do capitalismo, do espírito comercial. Em sua obra, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber analisa o relacionamento entre protestantes norte-americanos e europeus com o capitalismo, e conclui que o puritanismo teve, sim, um papel central no surgimento do modelo econômico - inclusive a partir de Adam Smith que, em 1737, na Universidade de Glasow, teria sido influenciado pelo professor Francis Hutcheson, “um dos maiores protestantes da Filosofia do Direito Natural”. Smith é reconhecido como o pai da economia moderna e o mais importante teórico do liberalismo econômico.

Embora Max Weber e outros associarem o puritanismo protestante ao espírito capitalista, o protestantismo histórico teve um papel fundamental na inclusão de diversos cidadãos na educação, por meio de escolas e universidades; na saúde, com hospitais missionários; na luta pelos direitos trabalhistas. Robert Kalley nasceu no subúrbio de Glasgow, Escócia. Aos vinte anos diplomou-se em cirurgia geral e farmácia pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de Glasgow. Convertido após algumas leituras do Evangelho, Kalley se disse chamado à obra missionária. Admitido como médico missionário pela Sociedade Missionária de Londres, em 1840 Kalley abriu um pequeno hospital com doze leitos em Funchal, na Ilha da Madeira, onde atendia, gratuitamente, os pobres da comunidade. Outro expoente na luta pelos direitos sociais foi o norte-americano Martin Luther King. Ministro batista, King foi o líder da Marcha sobre Washington de 1963, onde fez seu clássico discurso, I Have a Dream (“Eu tenho um sonho”), que clamava pelos direitos trabalhistas e sociais dos negros.

Fundado em 1865, em Londres, Inglaterra, pelo ministro metodista, William Booth, e sua esposa, Catherine Mumford, o Exército de Salvação surgiu como uma opção de auxílio aos trabalhadores que se viam em situação de vulnerabilidade social, decorrente das más condições de moradia e do baixo salário pago pelas empresas. Era o auge da Revolução Industrial. Presente em 126 países, o Exército de Salvação chegou ao Brasil em 1922, e atualmente atua a partir de sedes regionais e da sede nacional, em São Paulo. Suas atividades resumem-se à coleta de doações (roupas, móveis, utensílios), assistência à família, à manutenção de abrigos para crianças, mulheres e idosos em situação de risco, à promoção da educação, de cursos profissionalizantes, de seminários.

Não obstante os trabalhos desenvolvidos pelo Exército de Salvação e outras associações protestantes é discutível o fato de que algumas denominações atuam simplesmente como “entidades assistenciais”, semelhantes aos sindicatos, que oferecem corte de cabelo, assistência jurídica e odontológica, mas com pouco impacto nas questões diretamente ligadas aos direitos trabalhistas, como aumento salarial. Não é uma generalização, dado o fato de que movimentos como a ONG Rio da Paz, fundada em 2007 pelo presbiteriano Antonio Carlos Costa, atuam na defesa dos direitos humanos. O Rio da Paz promove protestos contra o aumento da violência, no Rio de Janeiro, e teve participações nas manifestações populares que tomaram as ruas do Brasil entre os meses de junho e julho, por melhorias na saúde, educação e segurança pública.

Outro movimento que reúne protestantes históricos e pentecostais é o EPJ (Evangélicos Pela Justiça), que afirma ter como objetivo dialogar, propor melhorias e realizar atividades que contribuam para a redução dos problemas políticos e sociais existentes que geram e perpetuam as desigualdades sociais e injustiças em nosso país. Dentre as injustiças, o EPJ destaca as questões referentes à pobreza, violência, agressões ao meio ambiente, baixa qualidade da educação e da saúde pública, concentração de riqueza, injusta distribuição dos espaços urbano e rural, desamparo da juventude, que requerem intervenção política dos evangélico-protestantes. Com presença em três capitais (Brasília, Recife e Belém) e em duas cidades (São Bernardo do Campo, SP, e Londrina, PR), o EPJ realiza reuniões, encontros com autoridades políticas e pesquisas.

Embora a existência de grupos assistencialistas, o protestantismo histórico é uma referência em questões sociais e tem sua marca registrada no Brasil, como em organizações como a Universidade Metodista de São Paulo, que é referência em educação superior, no ABC paulista. O Rio da Paz e o EPJ são frutos de uma análise mais profunda da atuação protestante na sociedade brasileira. Situação diferente é detectada no pentecostalismo. Apesar de um crescimento vertiginoso o pentecostalismo está aquém no quesito social, sendo caracterizado como um movimento de grandes templos, porém com pequenas ações sociais. Geralmente são administradas casas de recuperação, asilos e creches, mas em quantidade e qualidade inferiores as mantidas por outras denominações protestantes, como batistas, presbiterianas e metodistas. A participação na educação e na reivindicação por melhorias em outras áreas igualmente importantes também não são detectadas nas igrejas pentecostais, mesmo que mantidas representações políticas.



Johnny Bernardo é jornalista, pesquisador da 
religiosidade brasileira e colaborador do Genizah





 

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